29 de abril de 2010

CERTOS DIAS

Foto: Jean-Sebastien Monzani

Gosto de em certos dias pegar num texto e ler com calma, com a paciência e a inocência de quem lê pela primeira vez na vida, como se só agora conseguisse juntar as letras que se transformam em palavras e que de palavras se tornam aprendizagem, caminho.

Nem sempre os dias me permitem isso, seja pelo corrupio diário das obrigações, seja porque as obrigações se aquietaram mas o espírito permanece ainda desenfreado das andanças.
Mas quando consigo ter na minha mente apenas eco da minha voz e o tempo não é mais tempo, aprecio deveras ler as letras que se transformam em palavras e as palavras que se transformam em frases de alguém que experimentou mais que eu, de alguém que caminhou caminhos diferentes dos meus.
Em regra procuro textos dos antigos, de filósofos romanos, ou gregos, porque aprecio o Homem e gosto de o conhecer, mas acima de tudo, porque até hoje para mim (e só para mim, que dos outros conhecem os outros) ninguém pensou e experimentou tanto o Homem, como os gregos e os romanos, estes últimos mais por assimilação do que por iniciativa. E porque, diz-me a minha lógica simplista, que nada em termos de conhecimento filosófico (pelo menos esse) mudou no tempo.

E hoje, que é um desses dias em que o espírito se mostra liberto e por isso absorvente, fui ao meu baú e encontrei este texto de Séneca que deixo, para quem ainda consegue ler letras que se transformam em palavras, palavras que se transformam em frases, frases que se transformam em texto, e quem sabe talvez… texto que se transforme em aprendizagem mas, o caminho de cada Homem é feito, a final e apenas, pelos seus próprios passos.

“Sempre que te aconteça alguma coisa contrária à tua expectativa diz a ti mesmo que os deuses tomaram uma decisão superior! Com semelhante disposição de espírito, nada terás a temer. Esta disposição de espírito consegue-se pensando na instabilidade da vida humana antes de a experimentarmos em nós, olhando para os filhos, a mulher, os bens como algo que não possuiremos para sempre, e evitando imaginarmo-nos mais infelizes um dia que deixemos de os possuir. Será a ruína do espírito andarmos ansiosos pelo futuro, desgraçados antes da desgraça, sempre na angústia de não saber se tudo o que nos dá satisfação nos acompanhará até ao último dia; assim, nunca conseguiremos repouso e, na expectativa do que há-de vir, deixaremos de aproveitar o presente. Situam-se, de facto, ao mesmo nível a dor por algo perdido e o receio de o perder. Isto não quer dizer que te esteja incitando à apatia! Pelo contrário, procura evitar as situações perigosas; procura prever tudo quanto seja previsível; procura conjecturar tudo o que pode ser-te nocivo muito antes de que te suceda, para assim o evitares. Para tanto, ser-te-á da maior utilidade a autoconfiança, a firmeza de ânimo apta a tudo enfrentar. Quem tem ânimo para suportar a fortuna é capaz de precaver-se contra ela; mas nada de angústias quando tudo estiver tranquilo!

O cúmulo da desgraça e da estupidez está no medo antecipado: que loucura é esta, ser infeliz antecipadamente? Em suma, para numa palavra te resumir o que eu penso e te descrever como são estes homens que, à força de se preocuparem, só conseguem fazer mal a si próprios: tanta falta de moderação eles mostram em plena desgraça como antes dela! Quem sofre antes de tempo sofre mais do que o devido; uma mesma incapacidade leva-o a não prever a presença da dor onde não a espera; uma mesma imoderação fá-lo imaginar permanente a sua felicidade, imaginar que os bens que o acaso lhe deu não só hão-de perdurar como também de multiplicar-se; esquecido do trampolim que é a vida humana, convence-se de que no seu caso, por excepção, o acaso deixará de se fazer sentir.”

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'





14 de abril de 2010

DISSE


Disse que nasciam asas nos Homens
Disse que o Céu era o início
Disse que a verdade não era escrita
Disse que os sonhos são realidade
E a ilusão a mentira do cobarde
Disse que os gestos nunca se perdem
Que são diamantes enaltecidos de ternura
Disse que a luz é presença
E a presença uma certeza
Disse que tudo é possível
Que a crença o compensa
Nos dias cinzentos e vagabundos
Disse que a lua é bola
Com que se brinca no jardim
Disse e disse e voltou a dizer
Até perder o eco das palavras que disse...