29 de setembro de 2010
SÃO ROSAS SENHOR!
São Rosas Senhor! São Rosas!
Excomunga-se a verdade pelas sobras do que há-de vir.
Não há sopé que desdenhe mais as entranhas
Que o bicho foragido do ventre.
Mas são Rosas Senhor! São Rosas!
Uma parafernália de entrelinhas
Que se desunham num lusco-fusco fugidio.
Coalho em sentido defronte ao quartel.
Pelos céus! São Rosas Senhor! São Rosas!
Podem ser sem essência e nuas de rubor…
Mas blasfema quem disser o contrário.
Sem escória seriam apenas Homem.
Que dizer Senhor? São Rosas!
Negras como as ladeiras enxertadas
Que desgranam os lampinhos
Mal principia a manhã.
Mas Senhor são só Rosas!
Perdoai-lhes as maledicências
As cruentas ginásticas morais
As tortuosas escadarias de poder
E verás Senhor se não são só Rosas!
24 de setembro de 2010
RAPAPÉ
(Henri-Émile-Benoît Matisse)
Há fado na voz e nesse monte de cordas caído aí ao canto
Cornucópias tímidas percorrem essa luz de silêncio
Que poisas-te passava pouco mais das quatro da tarde.
Companheiro, a tua jorna não é tão distante
Que não caiba nela um abraço forte!
As toupeiras fogem já da terra arenosa
Aquela da qual falámos horas a fio nas tardes de enfadonho
São bichos esquisitos estes que se movem às cegas.
A vida tem destas coisas, ora se pulula de um quê
Ora se branda aos ventos pelas mesinhas da avó.
De igual só os sapatos que trago hoje
Porque esses não os mudo eu que é desperdício.
Das cantorias e dos versinhos sobra sempre uma companhia.
Se não lha arremata o tinto do velho Baco
Arremato-a eu que de calado só quando o sono me leva.
Já se faz tarde, foi de gosto chegar a este canto
A que chamas corpo e ao qual dás aprumos de rei.
Saudinha da boa e calma nos calcanhares
Que o tempo não anda para marés baixas.
16 de setembro de 2010
SÓ POR HOJE
(Vergílio Ferreira - imagem retirada aqui)
Évora, 25 de Fevereiro
Mais um conto - «A Palavra Mágica». Mas com que dificuldade! Todavia consegui desabafar desta saturação de palavras com que os jornais, a rádio, as conversas envenenam o ar. Cansado, caramba! Sobretudo cansado de querer acreditar. A cada canto, um sistema perfeito de vocábulos. Ao princípio era o Verbo e o Verbo se fez terrorismo. Não me falem em Razão. Falem-me em crenças, em mitos, em paixões. Mas ninguém tem essa coragem. Pegam numa pedra e lapidam-na de geometria. Depois fala-se na geometria, no rigor das linhas, na fatalidade da exactidão. Só não falam na pedra, bons deuses! Na pedra, que é a verdade fundamental.
Não me peçam hoje lágrimas para aquele que morreu
e pensou.
Não me aluguem o dó, que não está disponível.
Nem me peçam que no sangue do que só acreditou
e morreu,
eu beba aquela coragem que sinceramente não tenho.
Fé por fé basta-me esta de acreditar hoje, só hoje,
que afinal não vale a pena.
Amanhã talvez esqueça
ou perdoe.
Mas por hoje, céus, emprestai-me
essas tubas dos arcanjos do fim do mundo,
ou a trombeta castelhana d'Os Lusiadas,
ou qualquer coisa que berre.
Não tenho ideias a dizer
nem sonhos, nem ódios nem promessas.
Tenho só um grito, mas um grito longo,
horrendo, fero, ingente e temeroso
que me diz todo
por hoje,
só por hoje.
In Diário Inédito, obra do Espólio de Vergilio Ferreira, Editora Quetzal
Hoje e só por hoje, estas palavras, este Homem e este som, fazem-me eco nos sentidos, na alma e na razão.
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