21 de setembro de 2012

O MEDO DE AL BERTO

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)
 


Há uns largos 16 anos encontrei-me com Al Berto, numa estante de livraria, ali estava ele abandonado ao desatino de tantos outros, numa prega bolorenta de deposição, estereotipo das livrarias das grandes superfícies, de cuidado pomposo apenas para top’s de vendas e aquela coisa a que chamam de literatura new age. Um tanto ao quanto a imagem do mundo de hoje, o vende rápido e o consiga você mesmo, virámos depósitos de clichés baratos. Mas a forma como está organizada uma livraria espelha a imagem do Homem Moderno, um sumptuoso papel de embrulho, em que a sobreposição requer árdua labuta.

 As várias incursões por esse mundo asfixiante de prateleiras desconexas, onde um volume de Cesariny e de Camus se contraem para dar espaço a uma qualquer nova berra cuja capa gritante impõe sentinela, trás por vezes belas surpresas, talqualmente, o ganho da lotaria após a compra do milésimo nono bilhete. E foi assim, entre mortos e feridos que se deu o assombro do nosso encontro.
 
O fascínio deu-se logo nesse primeiro embate dedilhado onde em surdina balbuciava…

A escrita é a minha primeira morada de silêncio

a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras

extensas praias vazias onde o mar nunca chegou

deserto onde os dedos murmuram o último crime

escrever-te continuamente... areia e mais areia

construindo no sangue altíssimas paredes de nada

esta paixão pelos objectos que guardaste

esta pele-memória exalando não sei que desastre

a língua de limos

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos

as manhãs chegavam como um gemido estelar

e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio

desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo
 

 Para mais a diante, já em dessangrada inquietação quedar-me inerte e abissal no Medo de Al Berto; recordo-me que certa vez um professor disse-me, não questione a poesia menina, nos meandros das deduções lógicas e das estratégias racionais ela nunca fará sentido; e a questão é já em si mesma uma estratégia. Nesse dia, porém, prega de questões, cerrada em medos desvelados, que esse Medo de Al Berto havia habitado em mim, cruzei-me nua ante a agrura cruenta, do encontro.
 
Hoje, 16 anos volvidos sobre esse abismal encontro, não recuperei ainda destreza de forças para penetrar no Medo de Al Berto, dele li tudo, ou quase tudo, e em cada virar de página fomos discutindo, como dois velhos sentados no jardim, verdades e sentidos, géneros e metamorfoses, opulências e mortes. Mas o Medo mantém-se, impoluto ao meu dedilhar sobreagudo.
 
Quem sabe num até já, eu acompanho o gigante, que após a sobrecapa se revelará menor que um pigmeu, e juntos irromperemos nesse Medo…


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