30 de junho de 2010

UNIDADE

(NOITE ESTRELADA SOBRE O RÓDANO - VINCENT VAN GOGH, 1888)


Pétalas… quente… sabor… pólo

Noite emergente na hora

Sorriso aberto de fora

Cais… vela… sal… lágrima

Firmeza em ti

Bússola, concreto

Rota, perto

Passos… caminho… lógica

Alma e Mente

Amor e Semente

Voo… asas… liberdade

Afirmação e vontade

Eis UNIDADE

26 de junho de 2010

Há...

(PORMENOR DA CRIAÇÃO DE ADÃO DE MIGUEL ÂNGELO - CAPELA SISTINA)


Há um Homem…

E as palavras quebram-se, silêncio de encontro

Há um Sonho…

E a vida balbucia frenéticas linhas de acerto

Há um Mundo…

Espraie-se o Homem e o Sonho numa sinfonia de acordes

Há uma Vida…

Um caminhar de demanda, encontros e desencontros triviais

Há uma Procura…

E o herói esconde o seu escudo, a liberdade é o seu guia

Há uma Utopia…

Bombear de alma e coração, razão das razões, luta de lógica e sentido

Há um Ser…

União celestial de dois, compleição perfeita de um todo

Há Um…

Dois, três e mil milhões de motivos para se não partir

Há um Poema…

Mas podiam ser tantos mais

Há uma Geometria…

Uma transposição em linha dos muros que se erguem

Há Amarras…

Que são nossas, cacos ao relento, vitórias banais

Há Sentido…

Do som que vem de ti e se perde em mim

Há…

Para além do desacerto as entrelinhas da nossa história

25 de junho de 2010

DESPEDIDA


(VAN GOGH - NOITE ESTRELADA)


Amarrados na imensidão do céu...

Unidos ao calor da fogueira,

Que arde viçosa e nobre,

Num chão de searas agrestes.

Meu corpo colado ao teu

Tem espinhos de pedra!

De repente, na tristeza de um olhar,

Na loucura doentia de um beijo...

De ti me separo, para nunca te encontrar!

E o sonho que juntos fingimos cantar?

Perdeu-se na mentira da verdade!

Grita! Grita do fundo do peito!

Ao sonho que em fumo se esvai,

Nas horas lentas e vazias...

Que a noite deixa partir...

MENINA



Ar cioso do meu campo,

Minhas papoilas, meu espanto…

Ai de mim! - Se um manto,

Me acolhe este pranto.



Mulher, eis a minha singela condição,

Será virtude, ou tão só, equação?

E minha lágrimas correm todo o verão,

Porque meus olhos do mundo são.



Ai…essas formas formosas.

Como as mimosas deleitosas,

Mimos procurados aos pouquinhos,

Encontros de ar em fraquinhos.



Menina… tão linda,

Pura, melodiosa, ninfa…

Mal sabe caminhar ainda,

Mas afirma e afinca.

21 de junho de 2010

SIGNIFICAÇÃO PARA A VIDA?


“Como é que o homem vai viver sem uma significação para a vida? Donde essa significação? Os sucedâneos dos deuses atropelam-se tumultuosos, mas duram menos que os deuses, duram menos que um homem. Imaginei um dia que o homem viria a aceitar a sua condição em plenitude. Só não imagino esse homem. Porque imaginando-o como me é possível, penso que admitirá uma transcendência inominável, uma dimensão que supere o imediato da vida. Só que o pensá-lo não me afecta o sentir. Tenho o enigma mas não a chave que o desvende. Sei a interrogação, mas não posso convertê-la na pergunta a que se dá uma resposta. Da integração do homem no mistério do universo o que me fica é a vertigem. Mas aguento-me aí sem me retirar do abismo nem cair nele. O curioso é que são os «racionalistas» quem menos se perturba com a sem-razão de tudo isto. Porque eles é que deviam saber, mais do que os outros, o porquê e o para quê. Não querem. O mundo existe-lhes assim mesmo, sem significação. Para mim me existe também. Mas isso aturde-me. A velhice que se anuncia, anuncia-me a aceitação e a serenidade. Mas não me anuncia a liquidação do problema. Respiro mais calmo diante do irritante mistério. Mas estar calmo não é anular o que me intriga, ou o seu terror: é só anular-lhe o efeito sobre nós. Os imbecis ou os inocentes é que os ignoram. A expressão final do homem de hoje é o heroísmo. Porque tudo tende a esmagá-lo de todo o lado. Mas ser herói é ser consciente. E aguentar, com um mínimo de pulsações por minuto. Referi-me um dia a um indivíduo condenado à guilhotina e a quem um amigo dizia: «fatiga o teu medo». Não fatiguei ainda a minha inquietação. Mas fatigá-la é só o que tenho para a anular.” - Vergílio Ferreira in Contra-Corrente 2, Editora Bertrand.


Sou uma mulher cheia de sorte e de fortuna. E sou-o não pelos bens materiais que possa ter, ou, por rasgos heróicos em dias de infortúnio. Não sou afeita a desenlaces romanescos. A sorte que me acompanha é toda ela feita de pequenos nadas, a fortuna que possuo, foi toda ela adquirida ao longo dos anos que a vida me tem proporcionado e das experiências adquiridas ao tactear este imenso mundo do qual sou apenas um pequeno grão de areia.

A minha sorte reside nas pessoas, no ser humano, no ser emotivo, no ser racional, na diferença de cada um nós, na unidade de todos, na companhia e na partilha e essa é, enfim, toda a minha imensa fortuna.

Há um antigo ditado chinês que diz qualquer coisa assim: todo o discípulo precisa de um mestre e todo o mestre precisa de um discípulo, nenhum precisa procurar o outro, quando tiverem de ser mestre e discípulo, eles encontrar-se-ão.

Sempre fui muito irrequieta, de “se”e “porquê” na ponta da língua, como se o mundo fosse não uma, mas inúmeras montanhas de hipóteses. Cedo descobri que sozinha, não chegaria a lado nenhum, precisava então de um Mestre.

Mas o Mestre tardava em chegar, aquele Mestre que me ajudaria a desenlear o nó dos pensamentos e das dúvidas que me assombravam o espírito. Desesperava pelo encontro com o meu Mestre. Só mais tarde descobri, com o mesmo assombro com que Arquimedes gritou “Eureka, Eureka”, que a vida nos proporciona não um, mas muitos Mestres.

E um dos meus Mestres foi, sem dúvida, Vergílio Ferreira. Quis o acaso que nos encontrássemos aos meus 17 anos, por imposição do programa escolar, que me forçava a ler a Aparição, corria o ano de 1996. Depressa me apaixonei pela escrita coerente, escorreita, assertiva e inquietante deste Homem, era enfim um caminho, onde eu encontrava tantas inquietações parecidas com as minhas, tantas perguntas e um pensar de mundo. Quis também o acaso que fosse nesse ano que o homem se quedasse por imposição do corpo que o adornou, mas não foi o acaso, que o fez ser imortal.

Vergílio Ferreira mostrou-me a liberdade honesta, sem necessidade de enfeites, de capas de herói, ou, de máscaras para o teatro da vida. Proporcionou-me discernimento entre o entorpecimento da mente e o espraiar do ser e, ensinou-me que a escolha é em última rácio, mais que a medida, o património de um Homem.

Também eu Mestre, ainda não fatiguei a minha inquietação.

19 de junho de 2010

RÉSTIA DE RAZÃO



De mil sentidos o meu ser,

De mil perdões este querer,

Não sinto mais que um fio,

Que um ignoto e um pio.



Talvez seja de Platão

Este indigno conhecer.

Esta réstia de razão,

Desperdício de colher.



Talvez… não no sei…

Que estradas percorrerem este caminho?

Que um dia de soslaio atravessei,

Que me trouxe a canela e o linho?

Não no sei… não no sei!



Frenética esta rota de cinco estrelas,

Este porto de bermudas perdido.

Das ninfas? Nem vê-las!

Quanto mais o amor esquecido!

16 de junho de 2010

TEMPO

(FRANCISCO DE GOYA - DISPARATE N.º 13)

O tempo, esse estranho que nos faz desejar sempre mais, mais um dia, mais uma hora, mais um minuto…

Quantos de nós não sentimos que não há o suficiente? Que não há vida bastante para tudo o que queremos e desejamos, que nos falta o… tempo?

Mesmo os mais livres de nós, sentem a sua escassez e no entanto ele aqui está, presente.

Das frases mais constantes da boca dos homens, sejam eles de que nacionalidade, etnia ou credo forem é: “preciso de tempo”. Eis um ponto, de entre tantos outros, de unidade da Humanidade.

Quanto mais intensamente nos sentimos vivos nos dias, menos sentimos o tempo passar, talvez seja porque não pensemos nele mas, por muito que se queira, o certo é que não nos conseguimos sentir intensamente a toda a hora, e quem culpar… ao tempo?

Pensemos então nas frases que dizemos, mesmo aquelas que são trocadas entre os nossos próprios muros, naqueles momentos de cosmopolita vivência e serão algo como: “Preciso de arranjar tempo para…”, “Será que ainda vou a tempo?”, “Quanto tempo falta para…”.

É curioso observar que nos preocupamos com algo, que deveria ser, em bom rigor, irrelevante. Não é o tempo que o homem conta nos seus relógios, ou, nos seus calendários que interessa, e porquê? Porque esse tempo não é nosso, é apenas método de contagem e de cálculo, e todos nós sabemos que em matéria de cálculo o que para uns é muito, para outros é pouco.

Divagando um pouco sobre o assunto pergunto: como seria medido o tempo dos antigos, aqueles que viviam (e sabiam viver) sem calendário e sem relógio?

O bom do Homem, é ele ter história e, não ter sido construído e criado hoje, mas antes pertencer a todos os tempos e a outros tempos.

O mau do Homem é precisamente o mesmo, tendo história e tendo pertencido a outros tempos, acha que tudo o que ficou para trás é irrelevante e procura, deixando as suas bases, criar tempos novos.

Ora, é precisamente neste ponto que creio estar parte da falta do tempo do Homem, na necessidade de criar mais, de ter mais, sem sequer saber para que quer o mais.

O Homem de hoje vive de pressas e a requerer tempo para ontem, quando no ontem não soube usar o seu tempo e quando no hoje não sabe para o que quer.

Por isso pergunto: será que queremos e precisamos de mais tempo? Ou será que, o que realmente nos falta é aprender a viver com tempo, lembrando que tempo é apenas tempo e não um bater dos ponteiros do relógio, ou, um dia num calendário?

Relembrando um ditado antigo e corriqueiro digo, podemos não ter tudo o que queremos, mas certamente, temos tudo o que precisamos, o resto são as escolhas que fazemos e nessas a culpa, certamente, não é do tempo.

TRADUÇÃO




Mito, inesperado encontro

Ombro, desapego do sonho

Céus, deuses e volúpia

Sorvo, o sabor quente da tua boca

Calor, teus olhos nos meus

Manhã, perdida no centro de mim

Bruma, aconchego de alma

Beijo, desejo de ti

Sol, astro e glória da vida

Palavras, tradução da mente

Amor, Amor é Amor sem sinónimos

Sem letras, sem palavras

Objecto ou sentido

Revelação silenciosa do Homem