31 de março de 2009

SE NÃO FOSSEM OS TROCOS PRÓ CAFÉ…


Se não fossem os trocos pró café…

Maldizia da gente que verga a mola,
Que retira a vida da cartola,
E entorna o tinto na besta,
Nos dias em que a romaria é festa.



Se não fossem os trocos pró café…

Cingia a bitola ao trotear,
Das palavras antigas,
Ao saltitar das raparigas,
Ao branco puro a verdejar.



Se não fossem os trocos pró café…

Fustigava o malandrinho,
Sacudia o colarinho,
Enfeitava as hostes,
Com cartazes dos postes.



Se não fossem os trocos pró café…

Ai! Ninguém me laçava o umbigo,
Que eu galgava lado a lado,
Com o torto e o oraculado,
E ainda lhe chamava um figo!


17 de março de 2009

ESCREVER


“Senta-te diante da folha de papel e escreve. Escrever o quê? Não perguntes. Os crentes têm as suas horas de orar, mesmo não estando inclinados para isso. Concentram-se, fazem um esforço de contenção beata e lá conseguem. Esperam a graça e às vezes ela vem. Escrever é orar sem um deus para a oração. Porque o poder da divindade não passa apenas pela crença e é aí apenas uma modalidade de a fazer existir. Ela existe para os que não crêem, como expressão do sagrado sem divindade que a preencha. Como é que outros escrevem em agnosticismo da sensibilidade? Decerto eles o fazem sendo crentes como os crentes pelo acto extremo de o manifestarem. Eles captarão assim o poder da transfiguração e do incognoscível na execução fria do acto em que isso deveria ser. Escreve e não perguntes. Escreve para te doeres disso, de não saberes. E já houve resposta bastante.” – Vergílio Ferreira, in "Pensar"



Vergílio Ferreira foi um dos Homens que me tocou na minha juventude primária, fez-me pensar em cada frase que lia, levando-me ao recôndito de mim. Por isso, por ele nutro, um carinho deleitoso, como aquele que nutre o pupilo pelo seu Mestre.


No escrever o Homem revela-se em oração consigo mesmo, desata amarras com habilidade e descobre-se, nesse acto tão singelo ele trespassa a barreira dos outros e encontra-se nu ante a sua verdade.


Verdade que, não tem fim algum a não ser o de aprofundar a essência do que se é.


Nos dias de hoje, em que tudo é mercantilismo, a escrita proporciona a libertação das grilhetas quotidianas do sempre igual, das ideias conjuradas em prol de permanecermos perante o mundo como pares.


Na escrita não existem ilusões ou premissas a seguir, não nos é imposta a condição de colar palavras bonitas, palavras de capricho, não somos forçados a conjurar frases para terem um sentido certo e concreto.


A escrita revela a simplicidade da vida e em consonância o primitivo Homem, fiel aos seus pensamentos, irmão da sua vontade nessa comunhão com as palavras.


Escrever torna-se então, a tradução de uma não ciência, uma não pertença dos grandes, dos sábios ou dos deuses e constitui a transposição para a linha de um novo renascer.

12 de março de 2009

A ILUSÃO DOS DIAS

Eis precisa indefinição do verbo amar,
Eis pureza crua da fome de sonhar,
Eis que se está diante de ti sem nada em mim,
Como penumbra serva de um perlimpimpim.

Estes são os dias, talvez meras folias…
Mas estes são dos dias!
Passado, presente, futuro,
Os dias do mundo…
Ou talvez não…

Como velho náufrago lembrando o lobo-do-mar,
Como onda branda em noite de lua cheia.
Como velha que costura a meia,
A meia rota e… deixa andar.

Estes são os dias, talvez meras folias…
Mas estes são dos dias!
Passado, presente, futuro,
Os dias do mundo…
Ou talvez não…

E depois o dia a dia…
A cosmopolita decisão.
Eis o tédio, o arrastar dos passos,
Eis o vão… eis simplesmente o vão.

Estes são os dias, talvez meras folias…
Mas estes são dos dias!
Passado, presente, futuro,
Os dias do mundo…
Ou talvez não…

PANTEÃO

Panteão das minhas loucuras,
Sabes que nada fiz!
Foram só vácuos, gestos, ternuras,
Singelezas de um aprendiz!

Da censura vive o humano,
Da divindade vivo eu,
Não troques o sagrado por profano,
Porque o céu ainda é meu!

Esse céu de liberdade,
Que dizendo é bem verdade,
Não vive só de ilusões,
Ou, não fosse ele a Esfinge
De todas as canções.

Panteão das minhas loucuras,
Não sou eu quem procuras!
Quem procuras ninguém é!
E em cristalina tumba…
Não deixo eu por o pé!