31 de maio de 2009

SER POETA

Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendos
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

(Florbela Espanca, «Charneca em Flor», in «Poesia Completa»)

Tantas foram as vezes que tentei descrever o Poeta, esse, que vive do imaginário sonhador, esse, que da palavra faz arte, esse, que com palavras nos arranca dores nunca sentidas, que nos revolve as entranhas e nos beija como amante …

E outras tantas vezes me quedei…

E depois, leio este poema de Florbela, mergulho nos infinitos do sentir e tudo se completa… ante a imperícia de definir o Poeta, resta-me… singelamente, senti-lo.

28 de maio de 2009

SINONÍMIA



Dispare de aço é o milhafre.
De ceifas os caudais.
Os acentos das saturnais,
Mais não postulam que um cafre.

Zigoto que será doado,
Ante a cúpula vestal.
Não será preciso ser amado,
Para Apolo perfilar no Carnaval.

Enlouqueceu-se o ímpio ceder,
Mas não foi por não vencer,
Que ante mim se postulou,
Aquele que acreditou.

Honrai a toga até ao fim!
Honrai os deuses por mim!
De Diana esperei a Lança,
De Baco o Vinho para a matança.

27 de maio de 2009

CAVALGADA



Já rebentei de correr
Sete cavalos a fio.
O primeiro era cinzento
Com sonhos de água sem fundo
E cor do norte o segundo
Com ferraduras de prata.
O terceiro era um mistério
E o quarto cor de agonia.
O quinto, de olhos em brasa,
Era só prata e espanto.
O sexto não se sabia
Se era cavalo, se vento.
Corria o sétimo tanto
Que nem a cor se lhe via.
Quanto mais ando mais meço
As distâncias que há em mim
Cada desejo é um fim
E cada fim um começo.

Armindo Rodrigues



Todos possuímos os sete cavalos, as sete metáforas de existência. Não se diga que, não existe um começo em cada fim, nem que, taxativamente, o de hoje é o de sempre porque, o é somente, quando nos recusamos a ver e passamos a viver de memórias, como pináculos ocos, resquícios de um outrora.

Pode-se dizer que sente perda em cada fim, mas isso, é parte do crescimento...

Em cada fim há um começo e em cada começo um espraiar do ser e, irmãmente, uma evolução da coluna vertebral, pois ela não está nem completa, nem enformada à nascença e muito menos se finda com o crescimento físico.


Recusam-se tantos a crescer, com medo de um envelhecimento qualquer, com medo de se perder um “je ne sais quoi”… crescer não é perder, nem envelhecer, só assim o é quando se recusa, esse doce mel do abrir das asas, quando se estagna e se vive num limbo que não é nem presente, nem passado, nem futuro!

É preciso saber medir as distâncias que existem em nós… é preciso aprender a soltar e a agarrar as rédeas.


21 de maio de 2009

O ENGANO DA BONDADE

(PAUL GAUGUIN)


"Endureçamos a bondade, amigos. Ela também é bondosa, a cutilada que faz saltar a roedura e os bichos: também é bondosa a chama nas selvas incendiadas para que os arados bondosos fendam a terra.
Endureçamos a nossa bondade, amigos. Já não há pusilânime de olhos aguados e palavras brandas, já não há cretino de intenção subterrânea e gesto condescendente que não leve a bondade, por vós outorgada, como uma porta fechada a toda a penetração do nosso exame. Reparai que necessitamos que se chamem bons aos de coração recto, e aos não flexíveis e submissos.
Reparai que a palavra se vai tornando acolhedora das mais vis cumplicidades, e confessai que a bondade das vossas palavras foi sempre - ou quase sempre - mentirosa. Alguma vez temos de deixar de mentir, porque, no fim de contas, só de nós dependemos, e mortificamo-nos constantemente a sós com a nossa falsidade, vivendo assim encerrados em nós próprios entre as paredes da nossa estuta estupidez.
Os bons serão os que mais depressa se libertarem desta mentira pavorosa e souberem dizer a sua bondade endurecida contra todo aquele que a merecer. Bondade que se move, não com alguém, mas contra alguém. Bondade que não agride nem lambe, mas que desentranha e luta porque é a própria arma da vida.
E, assim, só se chamarão bons os de coração recto, os não flexíveis, os insubmissos, os melhores. Reinvindicarão a bondade apodrecida por tanta baixeza, serão o braço da vida e os ricos de espírito. E deles, só deles, será o reino da terra."
Pablo Neruda, in "Nasci para Nascer" – texto retirado do Citador,
http://www.citador.pt

A bondade… que palavra é esta? Que significa ela no meio do turbilhão egocêntrico dos dias de hoje?

O que representa ela no, e, para o homem?

Eu sei, mais uma panóplia de interrogações, quando o que se quer são respostas, certo?

A minha preocupação não é essa, porque o mais importante não é a resposta, mas o caminho que nos conduz a ela e, indubitavelmente, o porquê da pergunta.

Sinto que cada vez mais, o ser humano tem menos questões de fundo e procura muito pouco saber o que é, de onde vem e para onde vai, eis o motivo das minhas perguntas.

Obviamente, todos diremos, eu sei quem sou, sei de onde vim, sei onde estou e sei para onde vou e obviamente diremos isso, fincados na certeza, na nossa concreta certeza.

Esse é o maior dos erros, a certeza, e é-o porque nos impede de percorrer novos prismas de um mesmo objecto.

Esse é também, o mais notório facto de que não somos bondosos, ou de que, à capa de uma bondade ilusória, representamos ser, sem nunca o sermos.

Acordemos então do sono da Bela Adormecida, deixemos de lado os ais de Madalena Arrependida e encaremos de frente o que queremos; a bondade não reside numa mão pousada sobre o ombro, ou, num olhar de piedade, mas na nudez de nós para connosco próprios, sem o ardil dos ses, liames da nossa mentira.

Levantemos então as interrogações porque, não perguntar é manter na ignorância as respostas e é, sem suprema dúvida, um engano da bondade.

10 de maio de 2009

A PERSEVERANÇA E A PRESSA


“Se há pessoas que não estudam ou que, se estudam, não aproveitam, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não interrogam os homens instruídos para esclarecer as suas dúvidas ou o que ignoram, ou que, mesmo interrogando-os, não conseguem ficar mais instruídas, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não meditam ou que, mesmo que meditem, não conseguem adquirir um conhecimento claro do princípio do bem, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não distinguem o bem do mal ou que, mesmo que distingam, não têm uma percepção clara e nítida, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não praticam o bem ou que, mesmo que o pratiquem, não podem aplicar nisso todas as suas forças, elas que não se desencorajem e não desistam; o que outros fariam numa só vez, elas o farão em dez, o que outros fariam em cem vezes, elas o farão em mil, porque aquele que seguir verdadeiramente esta regra da perseverança, por mais ignorante que seja, tornar-se-á uma pessoa esclarecida, por mais fraco que seja, tornar-se-á necessariamente forte. - Confúcio, in A Sabedoria de Confúcio”




A perseverança tem sido olvidada nos tempos que correm. Talvez seja a necessidade de viver de pressa, de conquistar de pressa, de saber de pressa, de possuir de pressa…

Tudo muito à pressa, tudo muito para ontem, tudo e um vazio de nada, porque a pressa não deixa tempo para mais.

Olho no fundo dos olhos das pessoas com que me cruzo e deparo-me com demasiada neblina, demasiado fervilhar, um remoinho de sentidos e uma panóplia de razões, um vintém de mil, mas de concreto, de acerto, um vazio de nada.

Os corações estão ao rubro, a alma para além do tudo, traduções dessa agitação ilusória de tudo se querer na cadência de um segundo.

Os ensinamentos do ontem, de quem viveu compasso a compasso, de quem cimentou os seus alicerces à custa da experiência e da perseverança, com tempo e sem pressas, são colocados na gaveta, de nada servem, inúteis como as pedras da calçada.

Porque, não é o que os de hoje querem, porque, não dão respostas de imediato, porque, não são soluções instantâneas como a comida congelada e pronta a fazer em 10 minutos no microondas.

Esta medida que hoje em dia se usa, de apenas ter utilidade o que acertar na mouche, faz com que se sinta no transeunte com que nos deparamos em todo e qualquer lugar, um gélido cumprimentar de competidor em busca do que de pressa o levará ao pódio.

Daí que, aos de hoje, a perseverança nada diga. Como é que se poderá explicar à pressa, que é na busca diária, no esforço contínuo, na construção lenta mas convicta, na queda, no erro… enfim, na aprendizagem e na laboração incessante de nós próprios, que se atingem os fins, quando com a pressa já eles partiram?

Como é que é possível, aos de hoje, compreender as palavras, dos de ontem, como por exemplo, estas de Confúcio?

6 de maio de 2009

PALAVRAS DE VOO





Voar é preciso e preciso é gerar um poema, soltar a algema, firmar os pés no impossível, arremessar os pensamentos para lá das estrelas…


A palavra de voo é brinquedo com que se brinca em segredo, beijo com que se beija o beijar do beijo, sonho com que se sonha o sonhar do sonho, véu com que se despe o velar do ver… olhar com que se perfura a ocultação do ser.


A palavra de voo nunca é uma palavra de prisão. Voar é realizar a ânsia do nosso grito nas figuras de voo que nos conduzem à descoberta do que sempre está mais além. Mais que imitar, o voo é assumir o fascínio da verdade, é assumir o caminhar pelas múltiplas vias por abrir.


Não há caminhos feitos, prontos e acabados. Com o poeta António Machado, diremos que há caminhos possíveis que se fazem caminhando…


Se o caminho se faz andando, nunca o voo pode ser visto como uma perfeição pronta e acabada; perfeição que não existe, conquista sempre distante…


Descansar tranquilamente sobre um pedaço de realização conseguida é começar a viver de saudade. Todo o caminho, toda a vida, tem uma história feita de pequenos nadas, através dos horizontes que o persistente voo franqueia.


Voar é preciso…


Se quisermos tentar ser nós mesmos, teremos de aprender o sabor da liberdade, aprender a dureza de realizar a nossa diferença nas figuras de voo que levam ao crescimento. De pequenos nadas, o caminho se faz caminhando…

José Manuel Rodrigues Alves in PALAVRAS . Editora Fora do Texto.

2 de maio de 2009

Filosofia



Em "Ética a Nicómaco" disse Aristóteles…

“Realizando coisas justas, tornamo-nos justos, realizando coisas moderadas, tornamo-nos moderados, fazendo coisas corajosas, tornamo-nos corajosos”

Portanto, somos o que realizamos, somos o que actuamos.

Interrogado sobre o que havia aprendido com a filosofia, disse Aristóteles: “A fazer, sem ser comandado, aquilo que os outros fazem apenas por medo da lei”. - Citado em Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos.

Do meu parco ponto de vista a filosofia concede ao Homem este desejo – liberdade de descolagem, método de voo e responsabilidade na aterragem.

Como ferramentas de trabalho, a Filosofia, exige razão e intuição, o seu objectivo não é o céu mas o que está por detrás dele.

O que faz o filósofo? Admira e ama a sabedoria, mas não é sábio! Eis a diferença entre amante e amador; a subtil, mas concreta, diferença entre comandar e ser comandado.

Eís o que de todas as demais ciências dá a filosofia ao Homem, o encontro de si mesmo.

É pena, que nos dias de hoje, as máquinas tenham ultrapassado os Homens e por conseguinte, feito um delete à Filosofia, ou terá, o Homem feito um delete a si mesmo?

Será por isso que cada vez mais nos sentimos comandados?