26 de dezembro de 2009

NÃO NO SEI



( Pablo Picasso - "Girl in Chemise", 1905)

Se vivo de palavras como artificie? Não no sei…
Se bebo do mel das dores as flores? Não no sei…
Se vigio a tormenta como mãe? Não no sei…
Se padeço dos males do pavor? Não no sei…
Se cambaleio nas rotundas da vida? Não no sei…
Se enalteço a noite em prata despida de minhas lágrimas? Não no sei…
Se parto ou fico, se ficou ou parto? Não no sei…
Se humedeço as vielas da razão com as mãos? Não no sei…
Se arranco ao fugazes momentos? Não no sei…
Sei que respiro e que nas artérias me corre sangue
Vermelho, espesso e frenético a cada bombear do coração!

8 de novembro de 2009

VULTO



Estás aí?
Mais um pontapé nas latas
As tertúlias da desdita também contam
Não fosse o acaso companheiro da jorna.

Estás aí?
Contas, dois, um e mais uma bitola de cinco
Que os passos também se somam nos dias trancados
Imberbe masmorra de um Homem.

Estás aí?
Passam silenciosos os pássaros
Voos rasantes entre o entulho
Do desadorne do tempo.

Estás ai?
Falo como quem mendiga
O pão de um filho faminto
Nas horas quebradas do desdém.

Estás ai?
De mim em ti, de ti em nada
Como desassossego assolapado
No restolho do inquieto.

Estás ai?
È manhã... estou cansado
Os olhos brilham mas a luz quedou-se
Talvez… depois… porque não…
Estás ai?

23 de outubro de 2009

DESALINHO



Existe um desalinho completo.
Uma verdade inscrita.
Um poço algo repleto,
De uma repugnância transcrita.

Foram citados deuses vãos,
Beldades tingidas de certezas,
Mas duas foram as limpezas,
A do rácio e a das mãos.

Procura-se em ciência o concreto,
Respostas em todas as questões,
Mas esqueceram pendente no tecto,
A insensata leveza das razões!

27 de julho de 2009

FAZ-TE AO MAR

( André Derrain)


Oscila meu vão pudor,
Por entre as vagas dessa barqueta,
Oscila meu traje de amador,
E faz da vida uma corveta.

Sonhos! Não te esqueças de os embarcar!
Pois que, levando uníssono o que és,
De viés – porto algum se fiará em te atracar!

Manso! Não ouses balbuciar ao vento!
E verás quão fraca será a necessidade.
Sim, vais a tempo! Desentranha a vaidade!

Mas se o mar te negar,
A companhia do par…
Sempre poderás navegar,
Na réstia levada do ar.

22 de julho de 2009

O POETA




O Poeta... quem é? O que é?

Pode ser um rosto entre mil, uma forma de ser entre muitas, uma panóplia de sentidos, ou, um eco de razão.

Não é fácil descrever o Poeta, não é fácil chegar à tradução por palavras de quem já em si é palavra e contudo, mais que palavra.


Quedo-me ante a falta de arte e engenho para o definir e abraço esse primordial elo, o elo da ligação do comum dos mortais com esse ser que trespassa tempos e universos numa valsa de sentidos.

O mundo hoje já não pertence aos loucos, pertence à razão do lucro … quebrantaram-se as asas que nos permitiam viver entre os mundos, amarrados ficámos às grilhetas da posse.

Entristece-me que este ser, seja tão menosprezado nos dias que correm… porque o Poeta não saber ser pressa, solução instantânea ou cura milagrosa para a inércia do homens, não saber ser procura barata e não sabe ser top de uma qualquer livraria…

Ele não medeia os dias pelo ganho, pela riqueza dos homens e a volúpia dos corpos, ele vai mais longe e cria o impossível, desafia os deuses e bebe do mais fino néctar do imaginário.

Só quem quer mais da vida, quem anseia por algo mais profundo e existencial que um Mercedes na garagem, que uma conta bancária num paraíso fiscal, consegue hoje pegar num livro de poesia… e sentir esse elo entre o mundo dos homens e o divino.

Para onde vamos despidos de poesia? Que mares navegaremos com barcos de ferro e âncoras de chumbo?

Que ares nos será possível voar com as asas adornadas de ouro?

9 de julho de 2009

A BATUTA DOS HÁBITOS MARCHETADOS



“Já me não entendo com essa gente dos comboios suburbanos; esses homens que homens se julgam e que, no entanto, como as formigas, estão reduzidos, por uma pressão que não sentem, aos hábitos que lhes criam. Quando ociosos, em que ocupam eles os seus absurdos e insignificantes domingos?
Certa vez, na Rússia, ouvi tocar Mozart numa fábrica. Escrevi a esse respeito. Recebi duzentas cartas insultuosas. Não quero mal aos que preferem um reles café-concerto. Nenhuma outra harmonia eles conhecem. Mas abomino o dono do café-concerto. Não gosto que degradem os homens.”


Antoine de Saint-Exupéry, in 'Terra dos Homens' – Publicações Europa-América

Poucos ocupam um segundo do seu pensamento a pensar o quanto das suas vida é tocada pela batuta de um outro maestro, que não eles próprios. A resposta é sempre impulsionada pelo sentido de posse, logo, redunda num taxativo – em mim ninguém manda sem ser eu. Quão ilusória é esta afirmação.

Mesmo, os que de mais livre são no pensamento, sabem que há sempre uma batuta de um outro maestro a pautar-lhes os hábitos, seja na roupa que escolhem, por vezes, para mesura social, seja até, nas melodias que permitem que lhes entrem nos ouvidos.

Afinal é isso mesmo que torna o hábito, a repetição pautada de um mesmo acto. E, mal algum existe quer no hábito, quer na batuta do maestro.

A questão encontra-se então, na escolha do hábito e na do maestro. É que, á leia de se pretender pertencer a um qualquer grupo, afinal todos os homens anseiam a pertença, quebram-se hábitos inatos e redunda-se, exclusivamente, á batuta do maestro escolhido. É aqui que está o erro e o cerne de toda a questão.

É que uma vez escolhido o maestro, mais nada se acrescenta. Perdido o maestro, desmorona-se a orquestra, questiona-se o sentido e o alcance da vida, questiona-se o próprio eu e a mesura dos dias, abertas ficam as portas da desordem.

Saint-Exupéry toca um outro acorde, o acorde do maestro e não o da orquestra. Desculpa a orquestra, por ela nada mais conhecer que a batuta do seu maestro e culpa o maestro por apenas marchetar uma única melodia.

Há diferenças entre o que digo e Saint-Exupéry? Há primeira vista parece que sim, eu falo de alhos e ele de bugalhos, contudo não existe diferença mas e apenas, diferentes prismas de um mesmo objecto, se repararmos a culpa tem de ser dividida, tanto é culpa da orquestra só seguir a batuta do seu maestro, como é culpa do maestro só marchetar uma melodia á sua orquestra.


É claro que, deve o maestro proporcionar novas melodias á sua orquestra mas, não menos verdade é que deve a orquestra seguir novos sons por sua própria vontade. O hábito pode ter criação externa, mas so é perpetuado por aquele que, continuamente, o pratica.

8 de julho de 2009

VOO


Pode ser…
Que exista mais um sentido,
Mais um elo, um fuso, a multidão
Pode ser…
Uma cor sem fundo num sonho
Um sabor fendido de emoção
Pode ser…
Que amanhã se diga não e
Se atravesse a lua com a palma da mão
Pode ser…
Que se diga adeus assim num limiar
E se selem todas as comportas
Pode ser…
Que se soltem as amarras
E se quebrantem vagas
Pode ser…
Dois em um, um em três
Mais tostões de um e dois de dez
Pode ser…
Que se construam os elos
Que se forcem rupturas
E se atravessem oceanos
Pode ser…
Pode sempre ser…
Mais
Pode ser…
Céu perdido nos vendavais
Um dia de Homem
Tudo o que o se quer e alcança
Livre de entulhos e balança
Pode ser…
Se para tanto á força de ser
Asas de par em par
Partirem do SE para voar.

24 de junho de 2009

DEVANEIOS

(Monet - the end of the day)


Pétalas de desdém,
De sabor quente,
Queimam aqui e além,
Sem deixarem o ventre.

Pincel de retratista,
Alquimia de vida.
Este fulgor de vista,
Este desalinhar de dia.

Pensamento fugaz,
De melancolia desordeira,
É mais que um retorno capaz,
É sabor e alma inteira.

22 de junho de 2009

A DOCE ILUSÃO DA EMANCIPAÇÃO


Actualmente, tem-se a pretensão de que a mulher é respeitada. Uns cedem-lhe o lugar, apanham-lhe o lenço: outros reconhecem-lhe o direito de exercer todas as funções, de tomar parte na administração, etc.; mas a opinião que têm dela é sempre a mesma - um instrumento de prazer. E ela sabe-o. Isso em nada difere da escravatura. A escravatura mais não é do que a exploração por uns do trabalho forçado da maioria. Assim, para que deixe de haver escravatura é necessário que os homens cessem de desejar usufruir o trabalho forçado de outrem e considerem semelhante coisa como um pecado ou vergonha. Entretanto, eles suprimem a forma exterior da escravatura, depois imaginam, persuadem-se de que a escravatura está abolida mas não vêem, não querem ver que ela continua a existir porque as pessoas procedem sempre de maneira idêntica e consideram bom e equitativo aproveitar o trabalho alheio. E desde que isso é julgado bom, torna-se inevitável que apareçam homens mais fortes ou mais astutos dispostos a passar à acção. A escravatura da mulher reside unicamente no facto de os homens desejarem e julgarem bom utilizá-la como instrumento de prazer. Hoje em dia, emancipam-na ou concedem-lhe todos os direitos iguais aos do homem, mas continua-se a considerá-la como um instrumento de prazer, a educá-la nesse sentido desde a infância e por meio da opinião pública. Por isso ela continua uma escrava, humilhada, pervertida, e o homem mantém-se um corruptor possuidor de escravos. - Leon Tolstoi, in 'Sonata a Kreutzer' (1889) – Editora Relógio d’Água
O título que dou ao presente texto não é leviano, não foi colocado apenas porque é preciso dar um rótulo ao que escrevo, como aqueles outros que servem para assinalar as diferentes marcas de um qualquer produto. Não, o título é mesmo intencional.

E é intencional porque, pretendo aqui questionar a emancipação e dentro desta a das mulheres - reparem que eu digo questionar e não criar entendimentos, ou, rotular a posição das mulheres, quer no mundo, quer na actual sociedade. De forma alguma tenciono fazer julgamentos porque, para tal teria de ser empossada de juízos e eu quero-me livre, arreada das conjecturas dos outros.

Sou uma crente da pergunta e por conseguinte, acredito que ela, em sim mesma, é mais do que meio caminho para a resposta; por isso, à criva da censura do orgulho feminino pergunto: o que é isso da emancipação das mulheres?

Não quero discorrer numa evolução histórica sobre a ascensão da mulher na sociedade ou na política, isso é transmutar por completo o objecto da minha pergunta, que se atentarmos bem, é simples e directa.

O que é que é, efectivamente, a emancipação da mulher?

Dir-se-á que é a ocupação dos mesmos afazeres/tarefas que os homens?

Dir-se-á que é a utilização da mesma força/intelecto que os homens?

Dir-se-á que é a utilização da mesma pose social que os homens?

Antes de, à laia do impulso, se responder a estas perguntas analisemos um pouco o significado da palavra emancipação.

A palavra emancipação tem como significado liberdade, independência, autonomia pode-se descrever sucintamente como: estado daquele que, independente de toda e qualquer tutela, pode administrar os seus bens livremente. Assim sendo, emancipado é todo aquele que no pleno uso das suas faculdades e bens gere a sua vida.

Ora bem, se assim é a emancipação escrutinada à luz de um qualquer dicionário de português, nada tem a ver com homens; contudo, a emancipação das mulheres tem tudo a ver com homens.
Pergunte-se a qualquer mulher o que entende ela por emancipação e tão certo como eu ser eu, um homem virá à baila. O porquê da emancipação das mulheres ter a ver com os homens é uma pergunta para a qual, singelamente, apenas adivinho uma resposta.

Poderia conjecturar uma daquelas respostas impregnadas de recalcamentos do passado em que os homens se sobrelevavam em independência económica, poder físico e social sobre as mulheres, mas não creio que seja, em concreto, essa a resposta, talvez servisse no Sec. XVIII… mas nos dias de hoje, não tem grande assentamento.

Não, a subjugação das mulheres, deriva não do facto de ela ter sido (ou ainda o ser) considerada inferior aos homens, mas de ela ser o seu objecto de prazer.

Face a este acréscimo, atentemos ao texto que transcrevo de Tolstoi que em 1889 descreve o que considera ser a real escravatura das mulheres e comparemo-lo aos dias de hoje, há diferenças?

Libertou-se a mulher de ser o objecto de prazer dos homens? Pretendeu ela alguma vez deixar de ser esse objecto?

Assim sendo, repetindo-me pergunto: o que é isso da emancipação das mulheres?

Sei que serei trucidada pelas mulheres e por ventura acaridada pelos homens por este texto, mas de bom grado aceito os punhais se para tanto a minha pergunta for escutada.

16 de junho de 2009

OS SONHOS E OS NÚMEROS

«As pessoas grandes gostam de números. Quando vocês lhes falam de um amigo novo, as suas perguntas nunca vão ao essencial. Nunca vos perguntam: “ Como é a voz dele? De que brincadeiras é que ele gosta mais? Ele faz colecção de borboletas?” Mas: “Que idade é que ele tem? Quantos irmãos tem? Quanto é que ele pesa? Quanto ganha o pai dele?” Só assim é que pensam conhece-lo. Se vocês disserem às pessoas grandes: “Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado…”, as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: “Hoje vi uma casa que custa vinte mil contos.” Então, já são capazes de exclamar: “Mas que linda casa!”

Assim, se lhes disserem: “A prova de que o principezinho existiu é que ele era encantador, é que ele se ria e queria uma ovelha. Querer uma ovelha é a prova de que existe”, as pessoas grandes encolhem os ombros e chamam-vos crianças! Mas se lhes disserem: “O planeta donde ele vinha era o asteróide B 612”, as pessoas grandes ficam logo convencidas e não se põem a fazer mais perguntas. As pessoas grandes são assim. Não vale a pena zangarmo-nos com elas. As crianças têm de ser muito indulgentes para as pessoas grandes.

Mas nós, nós que entendemos a vida, claro que nos estamos bem nas tintas para os números! Eu gostava era de ter começado esta história como um conto de fadas. Assim:

“Era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele e precisava de um amigo…” Para quem entende a vida, era de certeza um começo bem mais verosímil.»

Antoine de Saint-Exupéry in “O Principezinho” – Editora Caravela – 11.ª Edição


Há dias em que, por força da memória, ou, das reminiscências da infância, recordamos os nossos sonhos de crianças e muitas vezes olhamos para trás e renasce em nós a vontade de recuar no tempo, até aquele local em que acreditávamos que tudo era possível.

O que mudou? O que é que nos fez desiludir tanto, ao ponto de nos tornarmos cegos e descrentes?

Será que o crescimento nos retirou a capacidade de sonhar? Ou, passámos a ver os sonhos pelo prisma dos números, da estatística, do ganho, do dispêndio e da probabilidade?

Nos dias que correm é quase ridículo falar-se em algo, explicar-se algo ou até mesmo sentir-se algo, sem que esse algo tenha um número, uma qualidade quantitativa em suma, uma mais-valia.

Em crianças dizia-mos simplesmente: “porque sim”, “porque quero”, “porque tenho vontade”, “porque sonho”, “porque quero ver”, “porque quero ser”; em adultos dizemos: “será que devo?”, “haverá necessidade?”, “será útil?”, “valerá a pena?”

Se o crescimento é isto, então estamos todos a ver as coisas pelo prisma errado porque, se em crianças afirmamos e sabemos o que queremos, adicionando novos valores a cada nova experiência, em adultos questionamos, quedamo-nos ante as “n” possibilidades existentes e não escolhemos nenhuma, logo não há lucro.

A verdade é que, desde pequenos levamos com uma lavagem cerebral sobre o que tem valor e o que não tem, sobre o que podemos e não podemos fazer. Contudo, enquanto aprendemos a andar, enquanto tentamos desbravar o desconhecido, a lavagem não faz muitos danos, porque entra ao mesmo tempo para o nosso cérebro uma boa quantidade de informação nova oriunda das nossas experiências e aventuras. O problema surge, essencialmente, quando deixamos de descobrir, de experimentar e começamos a assentar, aí começa a lavagem do “não podes”, “não deves”, “não sonhes”, “não imagines”, “não vale a pena”, “não è para ti”, “não consegues”, “não é real” e por aí adiante e, como diz o ditado: água mole em pedra dura tanto bate até que fura, neste caso tantos são os “nãos” que ouvimos por todo o lado, que nos dizem por todo lado que como papagaios passamos a acreditar em “não” e assim cimentamos a nossa descrença, quer nos sonhos, quer na vida, quer em nós mesmos.

E depois… os números, eles passam a ser a única coisa em que acreditamos, porque, são visíveis aos nossos olhos e possuem a capacidade de que com eles se poderem fazer inúmeras operações matemáticas. Cimentamos crenças em supostas realidades e desacreditamos tudo quanto não podemos somar, subtrair ou dividir ou multiplicar.

Já repararam que o nosso nascimento, só o é dado como adquirido, quando nos colocam a data de nascimento (portanto uns números) e a nossa morte só se torna real quando nos colocam mais um número, mais que não seja o da campa onde nos colocam. Entretanto sobre o fulano X e a vida do fulano X pouco ou nada há a dizer.

É isto mesmo que queremos ser, números? Ou como Saint-Exupéry tão bem descreve no seu Principezinho «Mas nós, nós que entendemos a vida, claro que nos estamos bem nas tintas para os números! Eu gostava era de ter começado esta história como um conto de fadas. Assim:
“Era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele e precisava de um amigo…” Para quem entende a vida, era de certeza um começo bem mais verosímil.»

Em suma: queremos ser números ou queremos ser vida? Há só uma forma de olhar para trás e sentirmos e sabermos que tudo foi possível e que os nossos sonhos não passaram de meros números, todos sabemos qual é essa forma... sim todos sabemos qual é!
O livre arbítrio é nosso, bem como, a vida e a realidade porque, sem nós ela não existe!

5 de junho de 2009

QUANTO VALES?


Um homem a quem é dado possuir um bem invulgar não pode considerar-se um homem vulgar. Cada um é tal qual os bens que possui. Um cofre vale pelo que tem lá dentro, melhor dizendo, o cofre é um mero acessório do conteúdo. Imaginemos um saco cheio de dinheiro: que outro valor lhe atribuímos além do valor das moedas nele contidas? O mesmo se verifica com os donos de grandes patrimónios: não passam de simples acessórios, de suplementos. A razão de o sábio ser grande está na grande alma que possui. Por conseguinte, é verdade que tudo quanto está ao alcance do mais desprezível dos homens não deve ser considerado um bem. Nunca direi, por exemplo, que a insensibilidade é um bem: quer a cigarra quer o pulgão são dotados dela! Nem sequer chamarei um bem ao repouso ou à ausência de desgostos: há bicho mais repousado do que um verme?
Séneca, in “Cartas a Lucílio”. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. 1991

Gosto de Séneca, demonstram os seus escritos, ou o que deles sobreviveu no tempo, uma assertividade extraordinária e um profundo conhecimento do Homem.


Reparem que, falamos de um Homem que viveu ao tempo de Cláudio e que foi preceptor de Nero (mais precisamente, viveu entre 4 AC e 65 DC) contudo, a suas palavras são tão propícias e reais como se acabassem de ser escritas para os tempos de hoje.


Digo em jeito meio divertido, que nada de novo nasce ou, é criado, apenas andamos sempre há volta do mesmo, corram que tempos correrem.


Ponderando um pouco mais sobre o assunto, reparo que as questões redundam sempre na riqueza, não aquela que provém do Homem, mas aquela que o ornamenta.

Quanto vales? È a questão, e a sua resposta converte-se numa taxatividade frívola, ou seja, vales o que possuis.


Não é de hoje que à matéria é dado um maior valor do que ao Homem que a cria, e este texto de Séneca é demonstrativo disso mesmo. Em suma, passaram os tempos, o planeta envelheceu e o Homem permaneceu estático.


Continuamos, como há séculos a fugir das questões, continuamos donos e senhores de verdades, muitas das quais nem sabemos de onde provêem e, continuamos perdidos no egocentrismo de nós mesmos.


Este é sem dúvida um caso em que, de nada nos serviu a experiência e da mesma forma, de tão pouco nos serviu a razão, porquê? Simples, continuamos a dar mais valor ao cofre do que ao seu conteúdo.

31 de maio de 2009

SER POETA

Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendos
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

(Florbela Espanca, «Charneca em Flor», in «Poesia Completa»)

Tantas foram as vezes que tentei descrever o Poeta, esse, que vive do imaginário sonhador, esse, que da palavra faz arte, esse, que com palavras nos arranca dores nunca sentidas, que nos revolve as entranhas e nos beija como amante …

E outras tantas vezes me quedei…

E depois, leio este poema de Florbela, mergulho nos infinitos do sentir e tudo se completa… ante a imperícia de definir o Poeta, resta-me… singelamente, senti-lo.

28 de maio de 2009

SINONÍMIA



Dispare de aço é o milhafre.
De ceifas os caudais.
Os acentos das saturnais,
Mais não postulam que um cafre.

Zigoto que será doado,
Ante a cúpula vestal.
Não será preciso ser amado,
Para Apolo perfilar no Carnaval.

Enlouqueceu-se o ímpio ceder,
Mas não foi por não vencer,
Que ante mim se postulou,
Aquele que acreditou.

Honrai a toga até ao fim!
Honrai os deuses por mim!
De Diana esperei a Lança,
De Baco o Vinho para a matança.

27 de maio de 2009

CAVALGADA



Já rebentei de correr
Sete cavalos a fio.
O primeiro era cinzento
Com sonhos de água sem fundo
E cor do norte o segundo
Com ferraduras de prata.
O terceiro era um mistério
E o quarto cor de agonia.
O quinto, de olhos em brasa,
Era só prata e espanto.
O sexto não se sabia
Se era cavalo, se vento.
Corria o sétimo tanto
Que nem a cor se lhe via.
Quanto mais ando mais meço
As distâncias que há em mim
Cada desejo é um fim
E cada fim um começo.

Armindo Rodrigues



Todos possuímos os sete cavalos, as sete metáforas de existência. Não se diga que, não existe um começo em cada fim, nem que, taxativamente, o de hoje é o de sempre porque, o é somente, quando nos recusamos a ver e passamos a viver de memórias, como pináculos ocos, resquícios de um outrora.

Pode-se dizer que sente perda em cada fim, mas isso, é parte do crescimento...

Em cada fim há um começo e em cada começo um espraiar do ser e, irmãmente, uma evolução da coluna vertebral, pois ela não está nem completa, nem enformada à nascença e muito menos se finda com o crescimento físico.


Recusam-se tantos a crescer, com medo de um envelhecimento qualquer, com medo de se perder um “je ne sais quoi”… crescer não é perder, nem envelhecer, só assim o é quando se recusa, esse doce mel do abrir das asas, quando se estagna e se vive num limbo que não é nem presente, nem passado, nem futuro!

É preciso saber medir as distâncias que existem em nós… é preciso aprender a soltar e a agarrar as rédeas.


21 de maio de 2009

O ENGANO DA BONDADE

(PAUL GAUGUIN)


"Endureçamos a bondade, amigos. Ela também é bondosa, a cutilada que faz saltar a roedura e os bichos: também é bondosa a chama nas selvas incendiadas para que os arados bondosos fendam a terra.
Endureçamos a nossa bondade, amigos. Já não há pusilânime de olhos aguados e palavras brandas, já não há cretino de intenção subterrânea e gesto condescendente que não leve a bondade, por vós outorgada, como uma porta fechada a toda a penetração do nosso exame. Reparai que necessitamos que se chamem bons aos de coração recto, e aos não flexíveis e submissos.
Reparai que a palavra se vai tornando acolhedora das mais vis cumplicidades, e confessai que a bondade das vossas palavras foi sempre - ou quase sempre - mentirosa. Alguma vez temos de deixar de mentir, porque, no fim de contas, só de nós dependemos, e mortificamo-nos constantemente a sós com a nossa falsidade, vivendo assim encerrados em nós próprios entre as paredes da nossa estuta estupidez.
Os bons serão os que mais depressa se libertarem desta mentira pavorosa e souberem dizer a sua bondade endurecida contra todo aquele que a merecer. Bondade que se move, não com alguém, mas contra alguém. Bondade que não agride nem lambe, mas que desentranha e luta porque é a própria arma da vida.
E, assim, só se chamarão bons os de coração recto, os não flexíveis, os insubmissos, os melhores. Reinvindicarão a bondade apodrecida por tanta baixeza, serão o braço da vida e os ricos de espírito. E deles, só deles, será o reino da terra."
Pablo Neruda, in "Nasci para Nascer" – texto retirado do Citador,
http://www.citador.pt

A bondade… que palavra é esta? Que significa ela no meio do turbilhão egocêntrico dos dias de hoje?

O que representa ela no, e, para o homem?

Eu sei, mais uma panóplia de interrogações, quando o que se quer são respostas, certo?

A minha preocupação não é essa, porque o mais importante não é a resposta, mas o caminho que nos conduz a ela e, indubitavelmente, o porquê da pergunta.

Sinto que cada vez mais, o ser humano tem menos questões de fundo e procura muito pouco saber o que é, de onde vem e para onde vai, eis o motivo das minhas perguntas.

Obviamente, todos diremos, eu sei quem sou, sei de onde vim, sei onde estou e sei para onde vou e obviamente diremos isso, fincados na certeza, na nossa concreta certeza.

Esse é o maior dos erros, a certeza, e é-o porque nos impede de percorrer novos prismas de um mesmo objecto.

Esse é também, o mais notório facto de que não somos bondosos, ou de que, à capa de uma bondade ilusória, representamos ser, sem nunca o sermos.

Acordemos então do sono da Bela Adormecida, deixemos de lado os ais de Madalena Arrependida e encaremos de frente o que queremos; a bondade não reside numa mão pousada sobre o ombro, ou, num olhar de piedade, mas na nudez de nós para connosco próprios, sem o ardil dos ses, liames da nossa mentira.

Levantemos então as interrogações porque, não perguntar é manter na ignorância as respostas e é, sem suprema dúvida, um engano da bondade.

10 de maio de 2009

A PERSEVERANÇA E A PRESSA


“Se há pessoas que não estudam ou que, se estudam, não aproveitam, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não interrogam os homens instruídos para esclarecer as suas dúvidas ou o que ignoram, ou que, mesmo interrogando-os, não conseguem ficar mais instruídas, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não meditam ou que, mesmo que meditem, não conseguem adquirir um conhecimento claro do princípio do bem, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não distinguem o bem do mal ou que, mesmo que distingam, não têm uma percepção clara e nítida, elas que não se desencorajem e não desistam; se há pessoas que não praticam o bem ou que, mesmo que o pratiquem, não podem aplicar nisso todas as suas forças, elas que não se desencorajem e não desistam; o que outros fariam numa só vez, elas o farão em dez, o que outros fariam em cem vezes, elas o farão em mil, porque aquele que seguir verdadeiramente esta regra da perseverança, por mais ignorante que seja, tornar-se-á uma pessoa esclarecida, por mais fraco que seja, tornar-se-á necessariamente forte. - Confúcio, in A Sabedoria de Confúcio”




A perseverança tem sido olvidada nos tempos que correm. Talvez seja a necessidade de viver de pressa, de conquistar de pressa, de saber de pressa, de possuir de pressa…

Tudo muito à pressa, tudo muito para ontem, tudo e um vazio de nada, porque a pressa não deixa tempo para mais.

Olho no fundo dos olhos das pessoas com que me cruzo e deparo-me com demasiada neblina, demasiado fervilhar, um remoinho de sentidos e uma panóplia de razões, um vintém de mil, mas de concreto, de acerto, um vazio de nada.

Os corações estão ao rubro, a alma para além do tudo, traduções dessa agitação ilusória de tudo se querer na cadência de um segundo.

Os ensinamentos do ontem, de quem viveu compasso a compasso, de quem cimentou os seus alicerces à custa da experiência e da perseverança, com tempo e sem pressas, são colocados na gaveta, de nada servem, inúteis como as pedras da calçada.

Porque, não é o que os de hoje querem, porque, não dão respostas de imediato, porque, não são soluções instantâneas como a comida congelada e pronta a fazer em 10 minutos no microondas.

Esta medida que hoje em dia se usa, de apenas ter utilidade o que acertar na mouche, faz com que se sinta no transeunte com que nos deparamos em todo e qualquer lugar, um gélido cumprimentar de competidor em busca do que de pressa o levará ao pódio.

Daí que, aos de hoje, a perseverança nada diga. Como é que se poderá explicar à pressa, que é na busca diária, no esforço contínuo, na construção lenta mas convicta, na queda, no erro… enfim, na aprendizagem e na laboração incessante de nós próprios, que se atingem os fins, quando com a pressa já eles partiram?

Como é que é possível, aos de hoje, compreender as palavras, dos de ontem, como por exemplo, estas de Confúcio?

6 de maio de 2009

PALAVRAS DE VOO





Voar é preciso e preciso é gerar um poema, soltar a algema, firmar os pés no impossível, arremessar os pensamentos para lá das estrelas…


A palavra de voo é brinquedo com que se brinca em segredo, beijo com que se beija o beijar do beijo, sonho com que se sonha o sonhar do sonho, véu com que se despe o velar do ver… olhar com que se perfura a ocultação do ser.


A palavra de voo nunca é uma palavra de prisão. Voar é realizar a ânsia do nosso grito nas figuras de voo que nos conduzem à descoberta do que sempre está mais além. Mais que imitar, o voo é assumir o fascínio da verdade, é assumir o caminhar pelas múltiplas vias por abrir.


Não há caminhos feitos, prontos e acabados. Com o poeta António Machado, diremos que há caminhos possíveis que se fazem caminhando…


Se o caminho se faz andando, nunca o voo pode ser visto como uma perfeição pronta e acabada; perfeição que não existe, conquista sempre distante…


Descansar tranquilamente sobre um pedaço de realização conseguida é começar a viver de saudade. Todo o caminho, toda a vida, tem uma história feita de pequenos nadas, através dos horizontes que o persistente voo franqueia.


Voar é preciso…


Se quisermos tentar ser nós mesmos, teremos de aprender o sabor da liberdade, aprender a dureza de realizar a nossa diferença nas figuras de voo que levam ao crescimento. De pequenos nadas, o caminho se faz caminhando…

José Manuel Rodrigues Alves in PALAVRAS . Editora Fora do Texto.

2 de maio de 2009

Filosofia



Em "Ética a Nicómaco" disse Aristóteles…

“Realizando coisas justas, tornamo-nos justos, realizando coisas moderadas, tornamo-nos moderados, fazendo coisas corajosas, tornamo-nos corajosos”

Portanto, somos o que realizamos, somos o que actuamos.

Interrogado sobre o que havia aprendido com a filosofia, disse Aristóteles: “A fazer, sem ser comandado, aquilo que os outros fazem apenas por medo da lei”. - Citado em Diógenes Laércio, Vidas dos Filósofos.

Do meu parco ponto de vista a filosofia concede ao Homem este desejo – liberdade de descolagem, método de voo e responsabilidade na aterragem.

Como ferramentas de trabalho, a Filosofia, exige razão e intuição, o seu objectivo não é o céu mas o que está por detrás dele.

O que faz o filósofo? Admira e ama a sabedoria, mas não é sábio! Eis a diferença entre amante e amador; a subtil, mas concreta, diferença entre comandar e ser comandado.

Eís o que de todas as demais ciências dá a filosofia ao Homem, o encontro de si mesmo.

É pena, que nos dias de hoje, as máquinas tenham ultrapassado os Homens e por conseguinte, feito um delete à Filosofia, ou terá, o Homem feito um delete a si mesmo?

Será por isso que cada vez mais nos sentimos comandados?

25 de abril de 2009



Só um grande amor consegue ter em folha a sua linha de papel
Só uma grande vontade consegue fazer das garras rosas
Fugazes pétalas de um ser que se acende
Dentro fora, fora dentro, monocórdico tempo de um alguém
Dizem que há viagens sem regressos
Como naus de destino sem fim
Daquelas que se esvaem a tempo
Em igual e singular tormenta
Só um grande desejo acende esse homem
Talvez por não saber que a bola que lhe saltita nas mãos é tão-somente o mundo
Mas porque se reconhece nos passos vazios e ocos da lira dos sentidos
Só uma grande luz se apaga na escuridão sentida da voz
Não por se quedar, antes, por ganhar asas e voar!

9 de abril de 2009

OS DIAS E O CANSAÇO


Os dias produzem no Homem um apuramento, fruto de uma longa fermentação, moldando paulatinamente a espinha dorsal de cada um.

Contudo, na inconstância dos tempos, esse natural apuramento, é produzido em série, sem intervalos e movido a jacto, resumindo, tem o mesmo efeito que a maçã geneticamente modificada, que é reproduzível rapidamente, em maior quantidade, mais apelativa aos olhos, menos exposta aos agentes externos, mas sem sabor, ou pelo menos, sem o sabor de uma maçã maturada segundo os ritmos próprios da natureza.

Desta forma, acelerando-se os tempos, perdem-se as peculiares maturações do Homem e em seu lugar resvala, lado a lado com os dias, o cansaço.

Nunca em outros tempos, como hoje, se ouve tanto esta palavra, CANSAÇO.Mas cansaço de quê? Quem é que em pleno uso da vida se pode dizer de si cansado?

Acho que esse cansaço mais não é que um largar de tertúlias no circo de feras para adocicar a boca ao povo e calar a voz que se encontra no cerne de cada um de nós.

Contudo, há deveras cansaço nos dias quando, como a maçã geneticamente modificada, nos produzimos em série, nos moldamos em moldes exteriores e estranhos a nós, olvidando por completo o nosso próprio ritmo.

Esse terror que se sente, como que portadores de uma qualquer doença contagiosa, de se não ser igual aos demais, é de veras ridículo e inútil.

Ridículo porque, é na diferença que nos unimos e existimos.

Inútil, porque produz em série um sempre igual, sem existência de traços pelos quais nos podemos apaixonar e descobrir singularidades novas.

Daí o cansaço como consequência da descoberta do mesmo de ontem, como prelúdio da monotonia dos dias em que nada há de novo para desvendar.

Em suma: há muito que foi aberta a caixa de Pandora, resta decidir UM de entre dois caminhos possíveis:

Seguir a maré, deixando a porta aberta para a instalação do cansaço, com a "certeza" do confortável igual, o manobrismo dos subterfúgios em busca de um lugar ao sol e no parqueamento em frente a casa,

Ou,

Rumar contra a maré, sem mais certezas que a do conhecimento concreto e sólido da nossa própria espinha dorsal, num trabalho constante de evolução e sem direitos possessórios.

É nesses dias, em que ouço e vejo os queixumes de quem se quedou ao cansaço que me lembro deste poema de Pablo Neruda:

SE CADA DIA CAI

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

E aí, ciente de que nada é igual, ciente da singular e sempre apreciável descoberta da diferença, adormeço descansada, crente em mais um dia de magia sentada à beira do poço em busca da luz caída, mas existente.

31 de março de 2009

SE NÃO FOSSEM OS TROCOS PRÓ CAFÉ…


Se não fossem os trocos pró café…

Maldizia da gente que verga a mola,
Que retira a vida da cartola,
E entorna o tinto na besta,
Nos dias em que a romaria é festa.



Se não fossem os trocos pró café…

Cingia a bitola ao trotear,
Das palavras antigas,
Ao saltitar das raparigas,
Ao branco puro a verdejar.



Se não fossem os trocos pró café…

Fustigava o malandrinho,
Sacudia o colarinho,
Enfeitava as hostes,
Com cartazes dos postes.



Se não fossem os trocos pró café…

Ai! Ninguém me laçava o umbigo,
Que eu galgava lado a lado,
Com o torto e o oraculado,
E ainda lhe chamava um figo!


17 de março de 2009

ESCREVER


“Senta-te diante da folha de papel e escreve. Escrever o quê? Não perguntes. Os crentes têm as suas horas de orar, mesmo não estando inclinados para isso. Concentram-se, fazem um esforço de contenção beata e lá conseguem. Esperam a graça e às vezes ela vem. Escrever é orar sem um deus para a oração. Porque o poder da divindade não passa apenas pela crença e é aí apenas uma modalidade de a fazer existir. Ela existe para os que não crêem, como expressão do sagrado sem divindade que a preencha. Como é que outros escrevem em agnosticismo da sensibilidade? Decerto eles o fazem sendo crentes como os crentes pelo acto extremo de o manifestarem. Eles captarão assim o poder da transfiguração e do incognoscível na execução fria do acto em que isso deveria ser. Escreve e não perguntes. Escreve para te doeres disso, de não saberes. E já houve resposta bastante.” – Vergílio Ferreira, in "Pensar"



Vergílio Ferreira foi um dos Homens que me tocou na minha juventude primária, fez-me pensar em cada frase que lia, levando-me ao recôndito de mim. Por isso, por ele nutro, um carinho deleitoso, como aquele que nutre o pupilo pelo seu Mestre.


No escrever o Homem revela-se em oração consigo mesmo, desata amarras com habilidade e descobre-se, nesse acto tão singelo ele trespassa a barreira dos outros e encontra-se nu ante a sua verdade.


Verdade que, não tem fim algum a não ser o de aprofundar a essência do que se é.


Nos dias de hoje, em que tudo é mercantilismo, a escrita proporciona a libertação das grilhetas quotidianas do sempre igual, das ideias conjuradas em prol de permanecermos perante o mundo como pares.


Na escrita não existem ilusões ou premissas a seguir, não nos é imposta a condição de colar palavras bonitas, palavras de capricho, não somos forçados a conjurar frases para terem um sentido certo e concreto.


A escrita revela a simplicidade da vida e em consonância o primitivo Homem, fiel aos seus pensamentos, irmão da sua vontade nessa comunhão com as palavras.


Escrever torna-se então, a tradução de uma não ciência, uma não pertença dos grandes, dos sábios ou dos deuses e constitui a transposição para a linha de um novo renascer.

12 de março de 2009

A ILUSÃO DOS DIAS

Eis precisa indefinição do verbo amar,
Eis pureza crua da fome de sonhar,
Eis que se está diante de ti sem nada em mim,
Como penumbra serva de um perlimpimpim.

Estes são os dias, talvez meras folias…
Mas estes são dos dias!
Passado, presente, futuro,
Os dias do mundo…
Ou talvez não…

Como velho náufrago lembrando o lobo-do-mar,
Como onda branda em noite de lua cheia.
Como velha que costura a meia,
A meia rota e… deixa andar.

Estes são os dias, talvez meras folias…
Mas estes são dos dias!
Passado, presente, futuro,
Os dias do mundo…
Ou talvez não…

E depois o dia a dia…
A cosmopolita decisão.
Eis o tédio, o arrastar dos passos,
Eis o vão… eis simplesmente o vão.

Estes são os dias, talvez meras folias…
Mas estes são dos dias!
Passado, presente, futuro,
Os dias do mundo…
Ou talvez não…

PANTEÃO

Panteão das minhas loucuras,
Sabes que nada fiz!
Foram só vácuos, gestos, ternuras,
Singelezas de um aprendiz!

Da censura vive o humano,
Da divindade vivo eu,
Não troques o sagrado por profano,
Porque o céu ainda é meu!

Esse céu de liberdade,
Que dizendo é bem verdade,
Não vive só de ilusões,
Ou, não fosse ele a Esfinge
De todas as canções.

Panteão das minhas loucuras,
Não sou eu quem procuras!
Quem procuras ninguém é!
E em cristalina tumba…
Não deixo eu por o pé!

16 de fevereiro de 2009

A MINHA DISSEMELHANÇA




Caminhando a direito, pelo tempo vazio das feras...
Temporizo o ardor de ser preza fácil,
para os prazeres celestiais.


Quem sabe se de antemão, perdoam os Deuses
a dor genérica e convertida dos Homens…
Não me infere esta incerteza duvidosa,
como não me inferem os Homens.
A meio caminho entre uns e outros,
estanco! Para não ser volteada.
Sei que de alma própria todos somos.
Mas até que ponto, é a minha mais própria
que a dos outros?
Marco pela dissemelhança o meu prezado passo,
que antes de mais, meu só é!
Meu, por de tanto o cogitar! Meu, pelo o que faz,
só a mim orçar!

Meu, porque além do ser da razão,
o é do corpo sentido, do peito vertido!
Não será por isso que, não me encaixo nuns,
e me extravaso nos outros?

15 de fevereiro de 2009

Responsabilidade = Oportunidade

“As pessoas fogem às responsabilidades, e essa atitude é uma das causas de mal-estar. Pensam que as responsabilidades desaparecem por si se as ignorarem ou evitarem. A base da evolução e a realização é a responsabilidade. Responsabilidade é o preço a pagar pelo direito de fazermos as nossas próprias escolhas. Responsabilidade é apenas outra palavra para designar oportunidade. E tornamo-nos ricos ou pobres para sempre conforme aproveitarmos ou deixarmos fugir a oportunidade.” - Alfred Montapert, in 'A Suprema Filosofia do Homem'


A maior parte das pessoas tende a dramatizar, a ver as coisas por um prisma brumoso e sinuoso; começo a adquirir a sensação de que, é mais fácil viver no teatro do infortúnio e da infelicidade fincado nos “ais”, do que, propriamente na vida.

Tudo é mau ou tudo é bom, tudo é preto ou tudo é branco, resumindo, oito ou oitenta, e isto é usado ao mesmo tempo como capa e como desculpa.

Um dia tem 24 horas, nessas vinte e quatro horas produzimos cerca de 60 mil pensamentos, se analisarmos o teor desses pensamentos, reparamos que eles se redundam em coisas negativas e isto porquê? Porque nos desresponsabilizamos, não tomamos consciência da nossa conduta, seja ela, uma conduta de actos ou de pensamentos.

Culturalmente e socialmente, a responsabilidade foi-nos incutida como algo de pesado, um fardo que faz brotar e desejar o caminho da fuga.

Contudo, responsabilidade não é peso, e muito menos medida, não se medem os actos pelo teor da sua responsabilização, não se medem os homens/mulheres pela sua responsabilidade, porque isso é quixotesco e é medida vulgar de quem por pura preguiça se recusa a ver os outros pelo seu próprio ser e os vê antes, por uma bitola formatada.

Responsabilidade é oportunidade, porque responsabilidade é assimilação, é auto-conhecimento, confrontação (não com terceiros mas connosco), é assunção dos nossos actos, e é como diz Montapert “o preço a pagar pelo direito de fazermos as nossas próprias escolhas”.

E como é pago esse preço? O preço da desresponsabilização? Garanto que não é pago fora de nós! Ele é pago à custa da nossa própria evolução, é pago com o sabor a vazio dos dias, com a opressão do ser que, assim, permanece encurralado no meio da praça, alheio aos múltiplos caminhos que pode percorrer.

Quem não aceita a sua responsabilidade não vê a sua oportunidade, porque a não assimila, não cresce, não evolui em suma, não caminha pelos seus próprios passos.

Se podemos pagar o preço de um bom jantar, porque isso nos dá prazer, porque é que nos recusamos a pagar o preço da responsabilidade, se isso nos trás a oportunidade e por conseguinte, o caminho?

Até quando, manteremos os olhos fechados para o nosso próprio ser? Até quando ouviremos primeiro a critica antes de efectuamos o acto? Até quando nos quedaremos ao exterior sem nunca nos aventurarmos nas múltiplas vias do nosso EU?

Ficam as questões, ou, oportunidades!

O que é este blog, será igual a tantos outros?



Criei este blog por puro egoísmo, pela pura volúpia de escrever as minhas palavras, talvez mesmo, pelo cansaço das palavras dos outros.

Exausta dos gestos, das verdades e pensamentos sempre iguais, onde o que muda é só um rosto, decidi cair nessa doce e pura liberdade de criar. Fiz da vontade fio condutor para penetrar as entranhas do ser e libertar a minha diferença.

Segundo os santos ditames da sociedade, ser-se diferente é ser-se vagabundo nas ruelas da vida, portador das maleitas do mundo, coitadinho que se observa de soslaio pelo canto do olho enquanto continuamos no nosso caminho, sempre tão importante, sempre tão igual, sempre tão cheio de verdades resolutas e perfeitas.

Eu, para acrescento dos pecados, não sei quedar-me na vulgar censura, por isso, confesso-me vagabunda nas vielas do ser, nómada nos meandros do pensamento humano, viajante irrequieta e errante por entre o sempre igual, em busca daquele traço livre que distingue um dos demais.

Talvez… comporte ainda esta minha alma partículas dos genes daqueles que um dia acordaram com vontade de ir mais além, de despertar da monotonia dos medos e dos tabus, das histórias inventadas para esconder os anseios da solidão e que, de brilho nos olhos, fogo no peito e liberdade na alma, assim, partiram para além do Bojador.

Se terá este blogue utilidade ou não, pouco importa, porque, este blogue não foi criado para ser só mais um entre os demais, mas para ser UM entre os demais.

Seja bem-vindo, aquele que vem pelos seus próprios passos!