
Certa vez, na Rússia, ouvi tocar Mozart numa fábrica. Escrevi a esse respeito. Recebi duzentas cartas insultuosas. Não quero mal aos que preferem um reles café-concerto. Nenhuma outra harmonia eles conhecem. Mas abomino o dono do café-concerto. Não gosto que degradem os homens.”
Antoine de Saint-Exupéry, in 'Terra dos Homens' – Publicações Europa-América
Poucos ocupam um segundo do seu pensamento a pensar o quanto das suas vida é tocada pela batuta de um outro maestro, que não eles próprios. A resposta é sempre impulsionada pelo sentido de posse, logo, redunda num taxativo – em mim ninguém manda sem ser eu. Quão ilusória é esta afirmação.
Mesmo, os que de mais livre são no pensamento, sabem que há sempre uma batuta de um outro maestro a pautar-lhes os hábitos, seja na roupa que escolhem, por vezes, para mesura social, seja até, nas melodias que permitem que lhes entrem nos ouvidos.
Afinal é isso mesmo que torna o hábito, a repetição pautada de um mesmo acto. E, mal algum existe quer no hábito, quer na batuta do maestro.
A questão encontra-se então, na escolha do hábito e na do maestro. É que, á leia de se pretender pertencer a um qualquer grupo, afinal todos os homens anseiam a pertença, quebram-se hábitos inatos e redunda-se, exclusivamente, á batuta do maestro escolhido. É aqui que está o erro e o cerne de toda a questão.
É que uma vez escolhido o maestro, mais nada se acrescenta. Perdido o maestro, desmorona-se a orquestra, questiona-se o sentido e o alcance da vida, questiona-se o próprio eu e a mesura dos dias, abertas ficam as portas da desordem.
Saint-Exupéry toca um outro acorde, o acorde do maestro e não o da orquestra. Desculpa a orquestra, por ela nada mais conhecer que a batuta do seu maestro e culpa o maestro por apenas marchetar uma única melodia.
Há diferenças entre o que digo e Saint-Exupéry? Há primeira vista parece que sim, eu falo de alhos e ele de bugalhos, contudo não existe diferença mas e apenas, diferentes prismas de um mesmo objecto, se repararmos a culpa tem de ser dividida, tanto é culpa da orquestra só seguir a batuta do seu maestro, como é culpa do maestro só marchetar uma melodia á sua orquestra.
É claro que, deve o maestro proporcionar novas melodias á sua orquestra mas, não menos verdade é que deve a orquestra seguir novos sons por sua própria vontade. O hábito pode ter criação externa, mas so é perpetuado por aquele que, continuamente, o pratica.
1 comentário:
Sempre reneguei pretensos maestros ou condutores assumidos a líderes de grupos. Acredito e sempre acreditarei que da singeleza e complexidade de cada um avulta ou retrai-se mais ainda a identidade colectiva de um grupo; seja ele qual for.
Afinal, partilha, amizade, amor e companheirismo são resultado disso mesmo; o minorar o menos bom que há no outro fazendo sobressair o que de melhor tem.
A busca pela perfeição é uma utopia em si. O homem não é perfeito e o facto de ser um ser social assenta na sua capacidade de aceitar o outro da mesma forma que pretende ser aceite.
Quem, por qualquer mister da vida, procura encontrar noutros, pela razão, a perfeição, criando estereótipos novos ou comparando-os a velhos, travará uma batalha inglória e arquitectará desejos de personalidades que não existem senão numa razão turvada, esquecendo a emoção simples, essa sim mais natural ao homem e condutora da felicidade ainda que momentânea.
Daí, minha amiga, escrever com frequência:” Não faças da vida um rascunho, pois podes não ter tempo de a passar a limpo”.
Bjinhos
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