25 de abril de 2009



Só um grande amor consegue ter em folha a sua linha de papel
Só uma grande vontade consegue fazer das garras rosas
Fugazes pétalas de um ser que se acende
Dentro fora, fora dentro, monocórdico tempo de um alguém
Dizem que há viagens sem regressos
Como naus de destino sem fim
Daquelas que se esvaem a tempo
Em igual e singular tormenta
Só um grande desejo acende esse homem
Talvez por não saber que a bola que lhe saltita nas mãos é tão-somente o mundo
Mas porque se reconhece nos passos vazios e ocos da lira dos sentidos
Só uma grande luz se apaga na escuridão sentida da voz
Não por se quedar, antes, por ganhar asas e voar!

9 de abril de 2009

OS DIAS E O CANSAÇO


Os dias produzem no Homem um apuramento, fruto de uma longa fermentação, moldando paulatinamente a espinha dorsal de cada um.

Contudo, na inconstância dos tempos, esse natural apuramento, é produzido em série, sem intervalos e movido a jacto, resumindo, tem o mesmo efeito que a maçã geneticamente modificada, que é reproduzível rapidamente, em maior quantidade, mais apelativa aos olhos, menos exposta aos agentes externos, mas sem sabor, ou pelo menos, sem o sabor de uma maçã maturada segundo os ritmos próprios da natureza.

Desta forma, acelerando-se os tempos, perdem-se as peculiares maturações do Homem e em seu lugar resvala, lado a lado com os dias, o cansaço.

Nunca em outros tempos, como hoje, se ouve tanto esta palavra, CANSAÇO.Mas cansaço de quê? Quem é que em pleno uso da vida se pode dizer de si cansado?

Acho que esse cansaço mais não é que um largar de tertúlias no circo de feras para adocicar a boca ao povo e calar a voz que se encontra no cerne de cada um de nós.

Contudo, há deveras cansaço nos dias quando, como a maçã geneticamente modificada, nos produzimos em série, nos moldamos em moldes exteriores e estranhos a nós, olvidando por completo o nosso próprio ritmo.

Esse terror que se sente, como que portadores de uma qualquer doença contagiosa, de se não ser igual aos demais, é de veras ridículo e inútil.

Ridículo porque, é na diferença que nos unimos e existimos.

Inútil, porque produz em série um sempre igual, sem existência de traços pelos quais nos podemos apaixonar e descobrir singularidades novas.

Daí o cansaço como consequência da descoberta do mesmo de ontem, como prelúdio da monotonia dos dias em que nada há de novo para desvendar.

Em suma: há muito que foi aberta a caixa de Pandora, resta decidir UM de entre dois caminhos possíveis:

Seguir a maré, deixando a porta aberta para a instalação do cansaço, com a "certeza" do confortável igual, o manobrismo dos subterfúgios em busca de um lugar ao sol e no parqueamento em frente a casa,

Ou,

Rumar contra a maré, sem mais certezas que a do conhecimento concreto e sólido da nossa própria espinha dorsal, num trabalho constante de evolução e sem direitos possessórios.

É nesses dias, em que ouço e vejo os queixumes de quem se quedou ao cansaço que me lembro deste poema de Pablo Neruda:

SE CADA DIA CAI

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

E aí, ciente de que nada é igual, ciente da singular e sempre apreciável descoberta da diferença, adormeço descansada, crente em mais um dia de magia sentada à beira do poço em busca da luz caída, mas existente.