19 de maio de 2010

ICTERÍCIA A ARTE DE AGRADAR

GOYA - CAPRICHOS 43

Aqui há uns dias atrás, no meio da azáfama dos meus pensamentos, como que em jeito de campainha ouço “tu não fazes nada para me agradar”, tal frase veio de um diálogo mantido entre um jovem casal que, a caminho do seu destino, discutiam o que deveria ser feito em ordem de se agradarem um ao outro.

Ora, deixado o casal na sua rota, fiquei a matutar na frase que me retirou da doce bruma dos meus pensamentos; agradar parece ser uma palavra muito em voga nos dias que correm, raro é o discurso onde ela não venha a fazer passerelle.

Não que eu seja contra o agradar, nada disso, sou até apologista de que devemos, mais que não seja por uma questão de mera cortesia e educação, atingir os outros de forma salutar e amena e, verdade seja dita que, pelo menos no que concerne às pessoas que nos são queridas todos temos essa vontade de agradar, mais que não seja para lhes vermos momentos de alegria, que acabam por ser nossos também.

Mas, o agradar saltitante da praça pública não é esse, é aquele agradar malabarista que faz do seu utilizador um ser moldável consoante o discurso do seu interlocutor.

É um agradar para ver o que calha em sorte, ou, um agradar para uma qualquer leviana e mundana conquista.

Até aqui tudo bem, cada um é como cada qual e faz o que entender da sua santa vidinha.

A questão que se me coloca é a seguinte com tanta artimanha para se agradar, onde é que estão de facto as pessoas?

É que tudo mais não parece que, uma disforme figura feita de manta de retalhos e sem conteúdo nenhum.

Um Homem para ser completo tem de o ser como é, ponto final. Se agrada muito bem, se não agrada, tudo bem na mesma, mas ao menos é-se por inteiro.

E tudo isto fez-me lembrar estas palavras de Saint-Exupéry:

“Aqueles que procuram agradar andam muito enganados. Para agradar, tornam-se maleáveis e dúcteis, apressam-se a corresponder a todos os desejos. E acabam por trair em todas as coisas, para serem como os desejam. Que hei-de eu fazer dessas alforrecas que não têm ossos nem forma? Vomito-os e restituo-os às suas nebulosas: vinde ver-me quando estiverdes construídos.

As próprias mulheres se cansam quando alguém, para lhes demonstrar amor, aceita fazer-se eco e espelho, porque ninguém tem necessidade da sua própria imagem. Mas eu tenho necessidade de ti. Estás construído como fortaleza e eu bem sinto o teu núcleo. Senta-te ali, porque tu existes.

A mulher desposa e torna-se serva daquele que é de um império.” - Antoine de Saint-Exupéry, in 'Cidadela' – Editorial Presença


Para seres, nunca o sejas pela metade, faz-te ao mundo com o que vieste, que ele paulatinamente te comporá o resto.

14 de maio de 2010

DESABAFOS NUMA FOLHA DE PAPEL

Há dias em que tenho a alma pesada, dias em que sinto que me imponho numa espera sem sentido e sofro, com um sofrimento de Ser sentido, sem saber o porquê dele, até porque à minha volta está tudo tranquilo. Hoje é um desses dias, é um dia em que não percorro o caminho, seja ele qual for.

É estúpido que o Homem se quede assim. É estúpido que eu me quede assim, quando me devia impulsionar e andar em frente. Mas ao invés, paro e sinto um vazio, um abismo que se resume num “para quê?”. Como se tudo se anulasse face a uma falta de sentido. Para quê andar em frente? Para quê escolher um caminho? Para quê isto, ou, para quê aquilo? Sempre poderei responder a estes para quês com respostas escolásticas, escolhidas a dedo, cheias de reverência e de eloquência, mas mesmo assim, e apesar de tão doutas palavras, esbarro no vazio.

Nisto, creio, somos todos iguais! Todos, iguais como no nascimento e na morte, sentimos o vazio, com palavras simples ou complicadas, eloquentes ou rudes, todos sentimos o vazio, que não tem explicação, sentido ou rota que se defina.
Talvez… seja demasiado exigente e de pouco contentamento com as coisas simples e inexplicáveis do Homem. Ou talvez, demasiado inquietante, fazendo sempre a mesma pergunta básica mas que quebranta os alicerces do ser, para quê?

Há perguntas que possuem mil respostas, mas que mesmo assim, não retiram a força da pergunta, e o pigmeu transforma-se em Adamastor…

Li um dia algures que, o Homem complica tudo o que é simples, pode ser… Ouço repetidamente que, face à vida há que aceita-la a contento, pode ser…

Mas, este meu espírito irrequieto não aceita nenhuma das justificações, por mais lógica que qualquer uma das premissas imprima. É que há o que é entendível pela razão e há o que é entendível pelo sentido. E como é difícil que tudo seja entendível por ambos, ao mesmo tempo!

Há dias como este, em que nem a simplicidade de uma folha branca, onde derramamos os nossos devaneios, é o suficiente para transpor toda a inconstância de nós.

Para uma mulher racional, como eu sou, é difícil compreender esta incompreensão, este sentido sem sentido, este vazio onde à minha volta tudo é cheio e composto, talvez (e aqui entro no campo da mera suposição) seja porque, esteja demasiado habituada à lógica das premissas e aos passos firmes e certos do raciocínio e me tenha esquecido que nem tudo é traduzível em métodos.

Sócrates disse: “Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo”; eu direi: Não sou nem mulher, nem razão, mas sim um mundo.

E é por ser um mundo que me perco nos devaneios do meu ser, é por ser um mundo que não possuo todas as respostas, é por ser um mundo que me quedo no vazio e é por ser um mundo que parto, como no romance de Júlio Verne, em busca do centro da terra, que é como quem diz, em busca do centro de mim, ou, em busca do para quê?

Por muito que eu assim o quisesse, neste mundo que sou, não há manual que possa seguir, ou, mapa que me guie, não o há para mim e não o há para ninguém. Há vazios que são vazios e há vazios que advêm de tumultos, de perdas, ou simplesmente, de exaustão.

Há pesos que carregamos por vontade, há-os por imposição e há-os porque simplesmente os há, e eu creio, que é por ser assim tão simples, que para mim é difícil de aceitar e é por isso que hoje se me pesa a alma e as pernas.

7 de maio de 2010

RUPTURA


A ruptura é sempre imprevista,

Com seus sais e sua mística.

Por mim foi algures perdida.

Por mim foi em tempo sofrida.



Jamais saberei porque o sou,

Pássaro vagueando ao luar,

Bolha na tuna do mar.

Ais do que me dou.



O sofrimento é sempre meu,

Mesmo que ao outro diga respeito.

Mas este ácaro de efeito,

Diz-me sempre quem perdeu.



Que seja a madrugada o meu levar,

O meu imaturo desejo de voar.

Eu quero ir ao fim do mundo,

Tacteá-lo e sentir o seu fundo.



Eu quero mergulhar no turbilhão,

Contar e recontar a razão.

Revirar e rodopiar, acordar

E… sentir-me respirar.

1 de maio de 2010

SEMPER TUA!





PARA O MEU GRANDE AMOR, MEU MESTRE E MEU AVÔ JOAQUIM VALÉRIO


A tua imagem sempre tão presente!

Deixa acalmar esta minha dor…

Eu em tudo consciente,

De mais não ser, sem teu amor.



Sempre que te sentires só,

Bombeia em meus sonhos,

Que não te deixo no pó,

Porque sou do que somos!



E lá no teu celestial descanso,

Passa esse teu olhar manso,

Pelos que de teus só são!

Aninha-me em tuas mãos…



Perpetuamente tua…

Pela imensidão do mundo,

Não haverá vagabundo,

Que me roube da lua,

Que me queime ou pua.

SEMPER TUA!