GOYA - CAPRICHOS 43
Aqui há uns dias atrás, no meio da azáfama dos meus pensamentos, como que em jeito de campainha ouço “tu não fazes nada para me agradar”, tal frase veio de um diálogo mantido entre um jovem casal que, a caminho do seu destino, discutiam o que deveria ser feito em ordem de se agradarem um ao outro.
Ora, deixado o casal na sua rota, fiquei a matutar na frase que me retirou da doce bruma dos meus pensamentos; agradar parece ser uma palavra muito em voga nos dias que correm, raro é o discurso onde ela não venha a fazer passerelle.
Não que eu seja contra o agradar, nada disso, sou até apologista de que devemos, mais que não seja por uma questão de mera cortesia e educação, atingir os outros de forma salutar e amena e, verdade seja dita que, pelo menos no que concerne às pessoas que nos são queridas todos temos essa vontade de agradar, mais que não seja para lhes vermos momentos de alegria, que acabam por ser nossos também.
Mas, o agradar saltitante da praça pública não é esse, é aquele agradar malabarista que faz do seu utilizador um ser moldável consoante o discurso do seu interlocutor.
É um agradar para ver o que calha em sorte, ou, um agradar para uma qualquer leviana e mundana conquista.
Até aqui tudo bem, cada um é como cada qual e faz o que entender da sua santa vidinha.
A questão que se me coloca é a seguinte com tanta artimanha para se agradar, onde é que estão de facto as pessoas?
É que tudo mais não parece que, uma disforme figura feita de manta de retalhos e sem conteúdo nenhum.
Um Homem para ser completo tem de o ser como é, ponto final. Se agrada muito bem, se não agrada, tudo bem na mesma, mas ao menos é-se por inteiro.
E tudo isto fez-me lembrar estas palavras de Saint-Exupéry:
“Aqueles que procuram agradar andam muito enganados. Para agradar, tornam-se maleáveis e dúcteis, apressam-se a corresponder a todos os desejos. E acabam por trair em todas as coisas, para serem como os desejam. Que hei-de eu fazer dessas alforrecas que não têm ossos nem forma? Vomito-os e restituo-os às suas nebulosas: vinde ver-me quando estiverdes construídos.
As próprias mulheres se cansam quando alguém, para lhes demonstrar amor, aceita fazer-se eco e espelho, porque ninguém tem necessidade da sua própria imagem. Mas eu tenho necessidade de ti. Estás construído como fortaleza e eu bem sinto o teu núcleo. Senta-te ali, porque tu existes.
A mulher desposa e torna-se serva daquele que é de um império.” - Antoine de Saint-Exupéry, in 'Cidadela' – Editorial Presença
Para seres, nunca o sejas pela metade, faz-te ao mundo com o que vieste, que ele paulatinamente te comporá o resto.
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