24 de junho de 2009

DEVANEIOS

(Monet - the end of the day)


Pétalas de desdém,
De sabor quente,
Queimam aqui e além,
Sem deixarem o ventre.

Pincel de retratista,
Alquimia de vida.
Este fulgor de vista,
Este desalinhar de dia.

Pensamento fugaz,
De melancolia desordeira,
É mais que um retorno capaz,
É sabor e alma inteira.

22 de junho de 2009

A DOCE ILUSÃO DA EMANCIPAÇÃO


Actualmente, tem-se a pretensão de que a mulher é respeitada. Uns cedem-lhe o lugar, apanham-lhe o lenço: outros reconhecem-lhe o direito de exercer todas as funções, de tomar parte na administração, etc.; mas a opinião que têm dela é sempre a mesma - um instrumento de prazer. E ela sabe-o. Isso em nada difere da escravatura. A escravatura mais não é do que a exploração por uns do trabalho forçado da maioria. Assim, para que deixe de haver escravatura é necessário que os homens cessem de desejar usufruir o trabalho forçado de outrem e considerem semelhante coisa como um pecado ou vergonha. Entretanto, eles suprimem a forma exterior da escravatura, depois imaginam, persuadem-se de que a escravatura está abolida mas não vêem, não querem ver que ela continua a existir porque as pessoas procedem sempre de maneira idêntica e consideram bom e equitativo aproveitar o trabalho alheio. E desde que isso é julgado bom, torna-se inevitável que apareçam homens mais fortes ou mais astutos dispostos a passar à acção. A escravatura da mulher reside unicamente no facto de os homens desejarem e julgarem bom utilizá-la como instrumento de prazer. Hoje em dia, emancipam-na ou concedem-lhe todos os direitos iguais aos do homem, mas continua-se a considerá-la como um instrumento de prazer, a educá-la nesse sentido desde a infância e por meio da opinião pública. Por isso ela continua uma escrava, humilhada, pervertida, e o homem mantém-se um corruptor possuidor de escravos. - Leon Tolstoi, in 'Sonata a Kreutzer' (1889) – Editora Relógio d’Água
O título que dou ao presente texto não é leviano, não foi colocado apenas porque é preciso dar um rótulo ao que escrevo, como aqueles outros que servem para assinalar as diferentes marcas de um qualquer produto. Não, o título é mesmo intencional.

E é intencional porque, pretendo aqui questionar a emancipação e dentro desta a das mulheres - reparem que eu digo questionar e não criar entendimentos, ou, rotular a posição das mulheres, quer no mundo, quer na actual sociedade. De forma alguma tenciono fazer julgamentos porque, para tal teria de ser empossada de juízos e eu quero-me livre, arreada das conjecturas dos outros.

Sou uma crente da pergunta e por conseguinte, acredito que ela, em sim mesma, é mais do que meio caminho para a resposta; por isso, à criva da censura do orgulho feminino pergunto: o que é isso da emancipação das mulheres?

Não quero discorrer numa evolução histórica sobre a ascensão da mulher na sociedade ou na política, isso é transmutar por completo o objecto da minha pergunta, que se atentarmos bem, é simples e directa.

O que é que é, efectivamente, a emancipação da mulher?

Dir-se-á que é a ocupação dos mesmos afazeres/tarefas que os homens?

Dir-se-á que é a utilização da mesma força/intelecto que os homens?

Dir-se-á que é a utilização da mesma pose social que os homens?

Antes de, à laia do impulso, se responder a estas perguntas analisemos um pouco o significado da palavra emancipação.

A palavra emancipação tem como significado liberdade, independência, autonomia pode-se descrever sucintamente como: estado daquele que, independente de toda e qualquer tutela, pode administrar os seus bens livremente. Assim sendo, emancipado é todo aquele que no pleno uso das suas faculdades e bens gere a sua vida.

Ora bem, se assim é a emancipação escrutinada à luz de um qualquer dicionário de português, nada tem a ver com homens; contudo, a emancipação das mulheres tem tudo a ver com homens.
Pergunte-se a qualquer mulher o que entende ela por emancipação e tão certo como eu ser eu, um homem virá à baila. O porquê da emancipação das mulheres ter a ver com os homens é uma pergunta para a qual, singelamente, apenas adivinho uma resposta.

Poderia conjecturar uma daquelas respostas impregnadas de recalcamentos do passado em que os homens se sobrelevavam em independência económica, poder físico e social sobre as mulheres, mas não creio que seja, em concreto, essa a resposta, talvez servisse no Sec. XVIII… mas nos dias de hoje, não tem grande assentamento.

Não, a subjugação das mulheres, deriva não do facto de ela ter sido (ou ainda o ser) considerada inferior aos homens, mas de ela ser o seu objecto de prazer.

Face a este acréscimo, atentemos ao texto que transcrevo de Tolstoi que em 1889 descreve o que considera ser a real escravatura das mulheres e comparemo-lo aos dias de hoje, há diferenças?

Libertou-se a mulher de ser o objecto de prazer dos homens? Pretendeu ela alguma vez deixar de ser esse objecto?

Assim sendo, repetindo-me pergunto: o que é isso da emancipação das mulheres?

Sei que serei trucidada pelas mulheres e por ventura acaridada pelos homens por este texto, mas de bom grado aceito os punhais se para tanto a minha pergunta for escutada.

16 de junho de 2009

OS SONHOS E OS NÚMEROS

«As pessoas grandes gostam de números. Quando vocês lhes falam de um amigo novo, as suas perguntas nunca vão ao essencial. Nunca vos perguntam: “ Como é a voz dele? De que brincadeiras é que ele gosta mais? Ele faz colecção de borboletas?” Mas: “Que idade é que ele tem? Quantos irmãos tem? Quanto é que ele pesa? Quanto ganha o pai dele?” Só assim é que pensam conhece-lo. Se vocês disserem às pessoas grandes: “Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado…”, as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: “Hoje vi uma casa que custa vinte mil contos.” Então, já são capazes de exclamar: “Mas que linda casa!”

Assim, se lhes disserem: “A prova de que o principezinho existiu é que ele era encantador, é que ele se ria e queria uma ovelha. Querer uma ovelha é a prova de que existe”, as pessoas grandes encolhem os ombros e chamam-vos crianças! Mas se lhes disserem: “O planeta donde ele vinha era o asteróide B 612”, as pessoas grandes ficam logo convencidas e não se põem a fazer mais perguntas. As pessoas grandes são assim. Não vale a pena zangarmo-nos com elas. As crianças têm de ser muito indulgentes para as pessoas grandes.

Mas nós, nós que entendemos a vida, claro que nos estamos bem nas tintas para os números! Eu gostava era de ter começado esta história como um conto de fadas. Assim:

“Era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele e precisava de um amigo…” Para quem entende a vida, era de certeza um começo bem mais verosímil.»

Antoine de Saint-Exupéry in “O Principezinho” – Editora Caravela – 11.ª Edição


Há dias em que, por força da memória, ou, das reminiscências da infância, recordamos os nossos sonhos de crianças e muitas vezes olhamos para trás e renasce em nós a vontade de recuar no tempo, até aquele local em que acreditávamos que tudo era possível.

O que mudou? O que é que nos fez desiludir tanto, ao ponto de nos tornarmos cegos e descrentes?

Será que o crescimento nos retirou a capacidade de sonhar? Ou, passámos a ver os sonhos pelo prisma dos números, da estatística, do ganho, do dispêndio e da probabilidade?

Nos dias que correm é quase ridículo falar-se em algo, explicar-se algo ou até mesmo sentir-se algo, sem que esse algo tenha um número, uma qualidade quantitativa em suma, uma mais-valia.

Em crianças dizia-mos simplesmente: “porque sim”, “porque quero”, “porque tenho vontade”, “porque sonho”, “porque quero ver”, “porque quero ser”; em adultos dizemos: “será que devo?”, “haverá necessidade?”, “será útil?”, “valerá a pena?”

Se o crescimento é isto, então estamos todos a ver as coisas pelo prisma errado porque, se em crianças afirmamos e sabemos o que queremos, adicionando novos valores a cada nova experiência, em adultos questionamos, quedamo-nos ante as “n” possibilidades existentes e não escolhemos nenhuma, logo não há lucro.

A verdade é que, desde pequenos levamos com uma lavagem cerebral sobre o que tem valor e o que não tem, sobre o que podemos e não podemos fazer. Contudo, enquanto aprendemos a andar, enquanto tentamos desbravar o desconhecido, a lavagem não faz muitos danos, porque entra ao mesmo tempo para o nosso cérebro uma boa quantidade de informação nova oriunda das nossas experiências e aventuras. O problema surge, essencialmente, quando deixamos de descobrir, de experimentar e começamos a assentar, aí começa a lavagem do “não podes”, “não deves”, “não sonhes”, “não imagines”, “não vale a pena”, “não è para ti”, “não consegues”, “não é real” e por aí adiante e, como diz o ditado: água mole em pedra dura tanto bate até que fura, neste caso tantos são os “nãos” que ouvimos por todo o lado, que nos dizem por todo lado que como papagaios passamos a acreditar em “não” e assim cimentamos a nossa descrença, quer nos sonhos, quer na vida, quer em nós mesmos.

E depois… os números, eles passam a ser a única coisa em que acreditamos, porque, são visíveis aos nossos olhos e possuem a capacidade de que com eles se poderem fazer inúmeras operações matemáticas. Cimentamos crenças em supostas realidades e desacreditamos tudo quanto não podemos somar, subtrair ou dividir ou multiplicar.

Já repararam que o nosso nascimento, só o é dado como adquirido, quando nos colocam a data de nascimento (portanto uns números) e a nossa morte só se torna real quando nos colocam mais um número, mais que não seja o da campa onde nos colocam. Entretanto sobre o fulano X e a vida do fulano X pouco ou nada há a dizer.

É isto mesmo que queremos ser, números? Ou como Saint-Exupéry tão bem descreve no seu Principezinho «Mas nós, nós que entendemos a vida, claro que nos estamos bem nas tintas para os números! Eu gostava era de ter começado esta história como um conto de fadas. Assim:
“Era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele e precisava de um amigo…” Para quem entende a vida, era de certeza um começo bem mais verosímil.»

Em suma: queremos ser números ou queremos ser vida? Há só uma forma de olhar para trás e sentirmos e sabermos que tudo foi possível e que os nossos sonhos não passaram de meros números, todos sabemos qual é essa forma... sim todos sabemos qual é!
O livre arbítrio é nosso, bem como, a vida e a realidade porque, sem nós ela não existe!

5 de junho de 2009

QUANTO VALES?


Um homem a quem é dado possuir um bem invulgar não pode considerar-se um homem vulgar. Cada um é tal qual os bens que possui. Um cofre vale pelo que tem lá dentro, melhor dizendo, o cofre é um mero acessório do conteúdo. Imaginemos um saco cheio de dinheiro: que outro valor lhe atribuímos além do valor das moedas nele contidas? O mesmo se verifica com os donos de grandes patrimónios: não passam de simples acessórios, de suplementos. A razão de o sábio ser grande está na grande alma que possui. Por conseguinte, é verdade que tudo quanto está ao alcance do mais desprezível dos homens não deve ser considerado um bem. Nunca direi, por exemplo, que a insensibilidade é um bem: quer a cigarra quer o pulgão são dotados dela! Nem sequer chamarei um bem ao repouso ou à ausência de desgostos: há bicho mais repousado do que um verme?
Séneca, in “Cartas a Lucílio”. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian. 1991

Gosto de Séneca, demonstram os seus escritos, ou o que deles sobreviveu no tempo, uma assertividade extraordinária e um profundo conhecimento do Homem.


Reparem que, falamos de um Homem que viveu ao tempo de Cláudio e que foi preceptor de Nero (mais precisamente, viveu entre 4 AC e 65 DC) contudo, a suas palavras são tão propícias e reais como se acabassem de ser escritas para os tempos de hoje.


Digo em jeito meio divertido, que nada de novo nasce ou, é criado, apenas andamos sempre há volta do mesmo, corram que tempos correrem.


Ponderando um pouco mais sobre o assunto, reparo que as questões redundam sempre na riqueza, não aquela que provém do Homem, mas aquela que o ornamenta.

Quanto vales? È a questão, e a sua resposta converte-se numa taxatividade frívola, ou seja, vales o que possuis.


Não é de hoje que à matéria é dado um maior valor do que ao Homem que a cria, e este texto de Séneca é demonstrativo disso mesmo. Em suma, passaram os tempos, o planeta envelheceu e o Homem permaneceu estático.


Continuamos, como há séculos a fugir das questões, continuamos donos e senhores de verdades, muitas das quais nem sabemos de onde provêem e, continuamos perdidos no egocentrismo de nós mesmos.


Este é sem dúvida um caso em que, de nada nos serviu a experiência e da mesma forma, de tão pouco nos serviu a razão, porquê? Simples, continuamos a dar mais valor ao cofre do que ao seu conteúdo.