29 de novembro de 2012

PELÍCULA

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)



A ausência de mim por entre estas grades…

É curta a distância que me separa da realidade dos outros.

Quase… o quase palpável desse mundo de infinitas possibilidades.

E eis-me aqui! Cru, frio, estanque!



Memória… de que me serve ela no alude cinzento dos dias?

Para quê ser fragata, ou, desova de ideias

Se é deserto, chumbo e gelo o que me cerca?



Cárcere composto pelas boas práticas,

Rácio de compressão humana.

Mentes brilhantes, essas, que de falácia em falácia

Guilhotinam no espectáculo da corte, a alma.



De que pode um Homem ser?

Entre a ditadura de duas ou três montras

E o espectáculo dos espelhos?



Mas eis que não estou morto! Ouve-se…

Entre outros aturdidos pregões de varina,

Um alguém que jura, como amante na noite,

Que é de cabimento a liberdade e a vida.




20 de novembro de 2012

ECO HOMO

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOGUE)
 
 
 
Lémures vidrados de palha seca restolham nesses montes
Bem-aventuradas sejam essas escumas do desar ante o sol
Que eu canto aos velhos ventos da humana ordem
Estiada papoila de verde esgrimo e acutilado apuro
 
Desova de novos divos pululam por aí adiante em bagalhoça
Caldeando em ferro frio vindouras fés da alimária força
 Mas eu sou parco de crença e gasto de entulho podre
E nestes ossos velhos só já cabe uma mão esgarça de pó
 
Em argúcia as anosas deploram ao astro rei os dias de romaria
Borbulham viperinas agarradas a esse deus que ignoram
Mas que velam e veneram entre ecos da devassa vizinha
Pias no negrume dos seus xailes descorados de maridos
 
O Homem vivo e carnudo basta-me hoje como ontem
Sempre foi forte o gosto por uma lingueta de cores
Um nacarado de sangue e um rendilho de músculos
Para plenificar a ardósia divindade de se ser inteiro


19 de novembro de 2012

DEPERECIMENTO

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOGUE)
 
 
É pena ter amado tão pouco!
Ter dado tudo sem receber nada.
Ter encantado o mais louco,
Na loucura que ondeia na vaga!
 
É pena ter amado tão pouco!
Tão pouco por tanto tempo,
É um sonho que foge oco,
E deslumbra na áurea do vento.
 
Amar sem poder fugir,
Sem perder e sem ganhar.
Querer por demais partir...
Abrir as asas e voar…


23 de outubro de 2012

PALAVRAS

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)
 
 
"As PALAVRAS serão sempre mais do que o que eu sou, mas elas também nunca serão tudo aquilo que eu sou. Sinto-me como a água que, cristalina pousa na concha das mãos, mas que ao ser apertada se esvai por entre os dedos. É assim que eu amo a liberdade de estar com os outros.” - José Manuel Rodrigues Alves in “Palavras”.
  
Tantas são as formas que podemos desenhar com as palavras, tantos os silogismos que podemos construir com elas, outros tantos, deixaremos partir por entre elas.
 
As palavras, não somos nós e no entanto, é com elas e nelas que existimos, que não se confunda a liberdade de uma palavra com a sua, própria, liberdade.
 
Que nunca se aprisione pela palavra, porque a palavra que foi munida desse intento, é palavra que regressa sozinha.
 
As palavras podem e devem ser fortes, mas nunca rudes; podem e devem ser simples, mas nunca vulgares; podem e devem ser delicadas, mas nunca frágeis.
 
Em cada palavra há o encontro de um todo, e as minhas palavras são as tuas palavras, mesmo que nunca as sintas como eu.
 
No fim, todos nós unidos pelas palavras, somos e seremos sempre mais que elas, esse é o reduto da Liberdade do Homem.

10 de outubro de 2012

HÓSTIAS À PÁGINA BRANCA.

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)
 
 
Que tortura! Criarem-se conjugações perfeitas de palavras, traduções exímias de ideias, alinhamentos bussolares perfeitos, todos eles a fervilharem na mente em busca de voo, e no súbito encontro dessa página branca, impoluta rainha, são estilhaçados sem dó nem piedade, num vestal vazio… Mortífera!
Ao princípio era o VERBO, assim escrevias tu Vergílio para expor a dolorosa deploração desse branco. Ante o vazio o Homem recua, teme e reza, mesmo que agnóstico de deuses, como te compreendo agora… E de pouco me valerá confessar que logo após a última conversa, neguei-te até ao fim! Havia sempre um contraponto a retardar a lógica aceitação, o pupilo travessa por vezes do mestre, pronto!
Mas ela impôs-se, grave e desdenhosa para afincar o sofrimento dessa tradução que se esgueirou de fininho, entre a ponta da pena e a nudez do corpo. As palavras ferem como balas, na ausência de sentidos a lhes dar. Ah… nem os desabafos a demovem! Cruenta!
Retorno até ti em busca de bálsamo, mas… caramba! Tu encontras sempre forma de me inquietar… Esconjuro-te! Por vezes não sobressai mal algum ao mundo se o não pensarmos, se o não existirmos! Mas tu regressas, sibilante e firme no teu professoral debate, já precavido e de ditado em punho arremessas, sem ele o não somos. Como, mas como, ó deuses, traduzi-lo ante a véstia solitude do branco?
Falas-me de coragem, como se ela fosse a mãe que nos carrega no regaço, e extremosa liberta-nos á porta da última morada. Não vês que isto é tortura! Quedar-me assim, sem nada ante a opacidade desse branco desnudo? Pois que sim, aceito, que Homem não é um nada, mas aceita-me a mim também quanto te digo que, por muito escrito que ele seja, não deixará de conter em si mesmo o vazio. Escrevê-lo? Não, o pontilhar do branco não era para ele, talvez para um poema que matuta há largos dias, feito e desfeito mil vezes, e hoje tinha-o o pronto para o prelo… mas ela, de tão branca que era, matou-o!
Chega! Em vez de um, dois, três e acção… escrevo: um, dois, três e fim! Hóstias à página branca, que me calou por hoje!


8 de outubro de 2012

GRAMPO

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOG)
 
 
Deixa acalmar o medo e respira ao céu que arde
Ante um horizonte que se quedou!
Tudo… tudo de nada, de inexistente, de vazio!
 
Exulta a rota de mundo vergada ao jugo,
E degusta a parábola de luz…
 
Entreabre a quina na mesma erva,
Que consume os lémures e tacteia
A vontade de aferrar… talante de existência.
 
E em áspera surdina inala Confúcio.
Sente em pele, o toque fendido, contuso.
 
E venial, decompõe em mel o cheiro biliar.
Em uno azul murmura a véspida premência!
Ser grampo sem perfil… liana forma de ser que nunca acaba!
 
Levada de estrume premido, enfeite de escala.
Mal de fundo que se entala, ante a saia natal.


7 de outubro de 2012

ESDRUXULARIA

(COLOSSO - FRANCISCO DE GOYA)


Singularidades de crepúsculo feito manhã

A razão é depreda na sua lógica vespertina

A ânsia do ser trespassa as grilhetas férreas da alma

Como jugo descarado no certeza do ter

Dizem que o tempo é isso, inconstância nebulosa



O Poeta é fecundo no tresmalhar das palavras

Como se elas fossem Homem

Deus perdido no limbo da veleidade

Verdade dispersa nas malhas do corporal

Dizem que o sentido é isso, notas fendidas na pele



Espadas esculpidas de suor, sangue e lágrimas

Como se tudo fosse forjado a preceito

E os ossos não fossem mais que puzzle

Peças arrematadas a contento

Dizem que a vida é isso, fornalha de retalhos



Mas a lógica da razão também fere

Nas fissuras incontroláveis do pensamento

O sentido é feito aço que se quebra

Quando o gelo do real o envolve

Dizem que a verdade é isso, controlo absoluto do sopro



Dizem porque dizem... sem tempo lógico de viver

Sem razão de sentir as palavras que dizem.

3 de outubro de 2012

ENCONTRA-ME

(Imagem fotografada e trabalhada pela gestora do blog)
 
 
Encontra-me. Que se me quedaram as forças para te procurar.
Neste labirinto febril e oco, o espaço é uma linha vertical.
Restolham passos por aí em diante, como se o som
Fosse sinal de uma qualquer existência desconexa.
 
Encontra-me. Que ante estes olhos cegos, as imagens partem.
Como neve num manto seco, réstia de gota no oceano árido.
Sinopse de encontros e desencontros, metáfora!
 
Encontra-me. Talvez num, talvez em dois pontos de demanda.
Contrapassos desta desregrada dança de um nada
Entre dois entreactos de nostalgia, quiçá velha solitude…
Quironomia onde no desgaste, os gestos calam palavras.


21 de setembro de 2012

O MEDO DE AL BERTO

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)
 


Há uns largos 16 anos encontrei-me com Al Berto, numa estante de livraria, ali estava ele abandonado ao desatino de tantos outros, numa prega bolorenta de deposição, estereotipo das livrarias das grandes superfícies, de cuidado pomposo apenas para top’s de vendas e aquela coisa a que chamam de literatura new age. Um tanto ao quanto a imagem do mundo de hoje, o vende rápido e o consiga você mesmo, virámos depósitos de clichés baratos. Mas a forma como está organizada uma livraria espelha a imagem do Homem Moderno, um sumptuoso papel de embrulho, em que a sobreposição requer árdua labuta.

 As várias incursões por esse mundo asfixiante de prateleiras desconexas, onde um volume de Cesariny e de Camus se contraem para dar espaço a uma qualquer nova berra cuja capa gritante impõe sentinela, trás por vezes belas surpresas, talqualmente, o ganho da lotaria após a compra do milésimo nono bilhete. E foi assim, entre mortos e feridos que se deu o assombro do nosso encontro.
 
O fascínio deu-se logo nesse primeiro embate dedilhado onde em surdina balbuciava…

A escrita é a minha primeira morada de silêncio

a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras

extensas praias vazias onde o mar nunca chegou

deserto onde os dedos murmuram o último crime

escrever-te continuamente... areia e mais areia

construindo no sangue altíssimas paredes de nada

esta paixão pelos objectos que guardaste

esta pele-memória exalando não sei que desastre

a língua de limos

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos

as manhãs chegavam como um gemido estelar

e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio

desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo
 

 Para mais a diante, já em dessangrada inquietação quedar-me inerte e abissal no Medo de Al Berto; recordo-me que certa vez um professor disse-me, não questione a poesia menina, nos meandros das deduções lógicas e das estratégias racionais ela nunca fará sentido; e a questão é já em si mesma uma estratégia. Nesse dia, porém, prega de questões, cerrada em medos desvelados, que esse Medo de Al Berto havia habitado em mim, cruzei-me nua ante a agrura cruenta, do encontro.
 
Hoje, 16 anos volvidos sobre esse abismal encontro, não recuperei ainda destreza de forças para penetrar no Medo de Al Berto, dele li tudo, ou quase tudo, e em cada virar de página fomos discutindo, como dois velhos sentados no jardim, verdades e sentidos, géneros e metamorfoses, opulências e mortes. Mas o Medo mantém-se, impoluto ao meu dedilhar sobreagudo.
 
Quem sabe num até já, eu acompanho o gigante, que após a sobrecapa se revelará menor que um pigmeu, e juntos irromperemos nesse Medo…


9 de junho de 2012

MUNDO INDIZÍVEL

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOG)


Olhou-me com o seu ar vadio, memórias de uma outra vida… memórias de um outro ser em que um só olhar destronaria as ressequidas artérias dessa certeza de aço. Por fim, na queda de um silêncio desgasto, pergunta-me: e agora?

E agora… e agora… e agora… as palavras restolham num eco abrupto e irrascível. Não mais perguntas, não mais respostas, não mais certezas, não mais dúvidas… só vazio. Fero, tardio e indolente, vazio.

Agarra-me as mãos com a força de um marinheiro naufragado em alto mar, esquecido entre a tormenta da fúria e desgasto pelo cansaço de uma luta dura. Trás na voz o despojo dos séculos, um som de adeus na amargura de uma só pergunta, e agora?

Sem sentido, sem rota definida ou bússola, retiro as mãos, quedaram-se os porquês na força bruta de um passo.

De joelhos, agarrado a esse peito de sentimentos, chora. Chora com o rompante da verdade, o confronto da perda, a realidade da utopia estilhaçada, assim, ante os olhos de um homem. Palavra que se esquece entre o jogo de ilusões… a vida…

Ergue o olhar para esse imenso azul, o céu, o porto de abrigo para os desalojados da alma. A imagem não é mais que isso, imagem.

Como se de punhais se tratassem esmurra o peito, na procura febril de que a dor física lhe afogue a dor da alma… mas é preciso senti-la, bater no fundo desse mar de rocha, gritar a plenos pulmões toda a inconstância da raiva, mesmo que num amanhã tudo não passe de um lémure. Hoje, é hora de sentir até às vísceras.

Mas eis que não há fim… Alguma vez o houve? Mesmo nos mortos, revisitamos em fotografias a esperança falaz do para sempre… E assim, no meio do caos ergue-se voraz e indómito o, porquê?

25 de abril de 2012

FERO

(Imagem retirada daqui)


Os lobos flanam noite dentro nas encostas da dor.
Frescos ladrilhos de sangue e vinho enchem a sala
Enquanto os lémures tacteiam felinos a sombra da fé.

Perguntas sempre iguais andarilham lado a lado com os deuses.
Podem os céus prescrever tamanhas garras de afoiteza?
Ou a sorte é já tão comezinha, que um sopro leve sabe a chuva?

Resta-lhes,  para entretimento um ou dois jogos de luxúria.
No vagante de ser, de existir e de possuir, emolduram-se.
Mais uma tela estraba para o banquete das saturnais.

Que é feito dos lobos? Por ora, uivam ante os ladrilhos já secos.
Debelaram o sangue e o vinho no exaspero da fome, e sós
Salinam a carne do joguete dos deuses para a próxima patranha.

18 de março de 2012

PLURAL COMO O UNIVERSO

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOG EM 10/03/2012  - EXPOSIÇÃO FERNANDO PESSOA: PLURAL COMO O UNIVERSO - FUNDAÇÃO CALOUSE GULBENKIAN)



Cansada do trabalho e de alguma monotonia dos dias, fui desafiada por um grande amigo a espairecer, é que venhamos e convenhamos, no dia-a-dia da vida esquecemo-nos de tanta coisa importante! Assim, caminhámos os dois entre cumplicidades até à Gulbenkian para “bisbilhotar” Pessoa.

O título escolhido para a exposição foi de facto muito bem concebido: Fernando Pessoa Plural como o Universo.

Não existe um escritor tão plural e ao mesmo tempo tão singular como Fernando Pessoa. Não vou entrar pelos meandros dos seus heterónimos, ou, pela singularidade da sua escrita, isso seria devassar a genialidade de um Homem com alma de Universo.

Ao transeunte, recomendo a exposição que é muito visual é extremamente sensorial, contudo, não reúne o melhor de Fernando Pessoa, nem explora toda a sua pluralidade, mas permite um mergulho na escrita poética do escritor, pecando por não trazer aos olhos do público a globalidade da sua escrita.

Por fim, partilho um trecho de um dos meus textos favoritos de Pessoa.

Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade.
A celebridade é um plebeísmo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas acções - ridiculamente humanas às vezes - que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espectaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade.
Depois, além dum plebeísmo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de génio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu génio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz.
E é por isso que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo-instinto, feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos.”

Notas Autobiográficas e de Autognose


9 de março de 2012

LÉMURES

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOG - GRANADA ANO DE 2007)


Outra e outra vez o som da tua voz… estou cansada. São cinco horas da manhã e eu estou cansada! Mas o som da tua voz retorna, penetra-me nas artérias ressequidas, sai da caixa bolorenta onde o deixei e invade-me a casa inteira. Porquê?
Dizem que os lémures são como os abutres, mal se lhes dá o cheiro da morte anunciada, rondam os corpos à espera do último suspiro para o banquete. Bons deuses! Porque não começa esse banquete?
Mas o som da tua voz regressa… desconfio já deste dessossego velho, que nem trás a morte anunciada, nem aos deuses leva as pobres suplicias desta alma cansada.

Rendo-me! Mais nada me resta… e lanço às Parcas as memórias turvas de um passado que me recuso a acreditar ter sido meu.

Caramba! Ao menos a essa liberdade tenho direito! Escrevam o que quiserem na ardósia da minha vida, mas nego-me a ceder-vos, a liberdade de acreditar nessa escrita!

Amor? Que amor? Desgaste, medo, infortúnio, chacina completa de todas as vértebras mas amor, nunca! A rendição será esperada pela hora da minha morte, nunca antes e nunca depois. E eu estou viva, tão viva! Que te escrevo hoje para lamento dos teus pesares e espanto dos meus fantasmas.

Ah! Mas eu não rezo aos deuses! Não vou nas mezinhas da avó e não cedo aos enlaces de cordel! É vida, é minha e no sangue espesso que me bombeia o coração cabe todo um sentir que não te pertence.

Falas, e eu forçada sou a ouvir o som da tua voz, mas esqueces-te que logo que principia a manhã, o som esvai-se e a vida penetra-me nessa paixão que só nós as duas partilhamos, e no novo dia meus passos erguem-se de encontro ao caminho.

Para trás fica o som da tua voz, o meu cansaço e a minha rendição, e na soma dos dias tudo não passou de uma batalha de peito às balas numa noite de sono sem guarda. Por hoje basta-me, sigo adiante.


8 de março de 2012

AO FIM DA TARDE

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOG)


Gastos pelo tempo, procuram nos outros a falta de ser.
Reviram, mudos, as entranhas na transposição de uma vida.
A porta! Sempre a porta. Mais um recorte na dobra do caminho.

Ao canto, umas farroupilhas para atavio do corpo.
Ah! Instante, luxúria, invídia e a mesa de jantar.
Imagens cruas atoladas de argamassa cobrem o entulho.

Mas é fim de tarde, de jorna e de encontro com as comadres.
Ledos enganos com que se acolhe o caminhar da noite.
Pilula com que se afulva o árido sono de abraços e contas.
 
 
Amanhã serão mais gastos, frágeis, sós, perdidos e vazios.
Mas que se cimente bem fundo no vão das memórias,
Será só num desses amanhãs prendidos ao acaso.

4 de março de 2012

DISPARIDADE


(IMAGEM RETIRADA DAQUI E EDITADA PELA GESTORA DO BLOG)


A vida discrimina mansamente a chagas que acolhes.
Os corvos pairam no tronco nu, seco ardil, áspera metamorfose
De um caminho que se queria simples, sem ventos nem tempestades,
Só passos e ecos de voz na sinonímia perfeita e intacta de ser e corpo.
Mas a vida não espera caminhos, não segue passos, não ouve vozes…
E ao fundo, no tremor de que o medo orne os senhores das trevas,
Ajoelhas-te em busca da salvação num deus que não conheces e negas-te.

Que querias tu deste fim? De que massa são feitos os teus ossos?



22 de fevereiro de 2012

POEMA INACABADO

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)



No silêncio, ontem como hoje, as águas monstram-se nuas e cruas.
Já não ressoa neste abismo plástico o som da tua vóz…
Aos outros que firmam a dolorosa metamorfose como dádiva
Continuam selados e secos os meus lábios em ausência.

Estagnação de sentidos, agnosticismo total de mim, caramba!
Mas já nem o grito é fero, ou, o murro premente…
Quedo-me, consciente repudio de todos os horizontes…
Afinal, não são eles todos iguais à passagem da estratosfera?

Ao fundo… a luz frágil e trémula dança em busca de par.
Ah! Se ao menos meus pés quisessem dar um passo…

28 de janeiro de 2012

O LIVRO




 Dizem que há sempre um livro que marca um escritor, mais que todos os outros, há um que é o seu amparo, porto de abrigo para o qual se foge na hora da tormenta.

O meu é o Poeta Perguntador de Armindo Rodrigues, Antologia organizada e apresentada por José Saramago, da Editorial Caminho, edição de 1979. É o livro da minha vida, sem ele não vivo, tudo nele me apaixona, tudo nele me faz sentir em casa, na minha casa, na minha zona perfeita de conforto, o campo dos meus sonhos, as minhas asas de condor, as garras da minha liberdade...

É o meu companheiro de vida há mais de 20 anos, está velho e gasto de um uso vivido, tem o sal das minhas lágrimas e o suor das minhas mãos, tem o desassossego da minha confrontação, a revolta dos meus sentidos, a serenidade da minha nostalgia, o negrume dos meus fantasmas, a mó das perguntas incontidas…

O Poeta Perguntador, é a inquietação perene do meu ser, não me dá respostas mas fecunda-me de perguntas, não me afaga a dor mas reergue-me das profundezas carbónicas do impossível, do não feito, do não pensado.

Mais do que um livro é a saudação de um existir, eis que estou cá, viva entre poemas, os que escrevi, os que escreverei, os que aprisiono e os que liberto. Mas viva entre as linhas gastas da vida.

Os poemas que deixo são de Armindo Rodrigues, para que se conheça o Poeta Perguntador, o Poeta com que disserto ideias, faço revoluções e desabafo nas horas inconstantes. Os poemas transcritos não se encontram no livro O Poeta Perguntador, porque não posso limitar um Poeta a um só livro, porque não posso limitar a vida de um Homem ao meu amor.

LIBERDADE 

Ser livre é querer ir e ter um rumo
e ir sem medo,
mesmo que sejam vãos os passos.
É pensar e logo
transformar o fumo
do pensamento em braços.
É não ter pão nem vinho,
só ver portas fechadas e pessoas hostis
e arrancar teimosamente do caminho
sonhos de sol
com fúrias de raiz.
É estar atado, amordaçado, em sangue, exausto
e, mesmo assim,
só de pensar gritar
gritar
e só de pensar ir
ir e chegar ao fim.

_____________ // _________________

UM POEMA DE AMOR PARA DOMINGO

Por ti traço a minha lei.
Em ti cabe a minha vida.
Dos mais amores que amei
tenho a memória esquecida.
Toucam-te rosas a fronte
arfa o chão sob os teu pés.
Não há tão vasto horizonte
que se compare ao que és.
Contigo, sou mais que o mundo.
Sem ti, nem sequer eu sou.
És o meu sonho fecundo,
que o teu em mim fecundou.

Armindo Rodrigues

13 de janeiro de 2012

CACOS E UM HOMEM

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)


Onde vais tu, Homem, nesse desacerto vulcanizado?
Que horizontes deambulam esses olhos mortos?
Mais um compasso e outro, a contradança dos eternos amantes.
É acolá - dizes tu – a aurora de uma nova Era…

Ah! A sede, essa velha e perpétua esposa dos teus dias.
A cimitarra com que chacinas o acaso entre um e outro bocejo.
Eis-te aqui! Mais um adorno do teu trono pérfido de senhor.

Mas crê que dominas todos os teus passos, como Narciso
Em adulação no lago da vida, compleição perfeita do teu ser,
E tão certo será o abraço das suas águas densas e gélidas.
Mas não vos inquieteis, fostes vós quem elegeu a demanda!