9 de março de 2012

LÉMURES

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOG - GRANADA ANO DE 2007)


Outra e outra vez o som da tua voz… estou cansada. São cinco horas da manhã e eu estou cansada! Mas o som da tua voz retorna, penetra-me nas artérias ressequidas, sai da caixa bolorenta onde o deixei e invade-me a casa inteira. Porquê?
Dizem que os lémures são como os abutres, mal se lhes dá o cheiro da morte anunciada, rondam os corpos à espera do último suspiro para o banquete. Bons deuses! Porque não começa esse banquete?
Mas o som da tua voz regressa… desconfio já deste dessossego velho, que nem trás a morte anunciada, nem aos deuses leva as pobres suplicias desta alma cansada.

Rendo-me! Mais nada me resta… e lanço às Parcas as memórias turvas de um passado que me recuso a acreditar ter sido meu.

Caramba! Ao menos a essa liberdade tenho direito! Escrevam o que quiserem na ardósia da minha vida, mas nego-me a ceder-vos, a liberdade de acreditar nessa escrita!

Amor? Que amor? Desgaste, medo, infortúnio, chacina completa de todas as vértebras mas amor, nunca! A rendição será esperada pela hora da minha morte, nunca antes e nunca depois. E eu estou viva, tão viva! Que te escrevo hoje para lamento dos teus pesares e espanto dos meus fantasmas.

Ah! Mas eu não rezo aos deuses! Não vou nas mezinhas da avó e não cedo aos enlaces de cordel! É vida, é minha e no sangue espesso que me bombeia o coração cabe todo um sentir que não te pertence.

Falas, e eu forçada sou a ouvir o som da tua voz, mas esqueces-te que logo que principia a manhã, o som esvai-se e a vida penetra-me nessa paixão que só nós as duas partilhamos, e no novo dia meus passos erguem-se de encontro ao caminho.

Para trás fica o som da tua voz, o meu cansaço e a minha rendição, e na soma dos dias tudo não passou de uma batalha de peito às balas numa noite de sono sem guarda. Por hoje basta-me, sigo adiante.


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