“Que longo vómito este Les Chemins de
la liberté de Sartre. Afinal de que serviu aos Gregos pregarem o equilíbrio?
Bebamos à saúde da inteligência! Mas não há maneira da turva populaça que
bebendo à saúde do ciclista, do boxeur, põe em glória apenas a perna e o punho
do outro. Racionalismo não é intelectualismo. Sobretudo não é traição àquilo
que nos permite o luxo intelectual. Amigo Sartre, mete uma enxada nas unhas aos
teus pederastas, aos teus vadios de café, põe-me essa Ivitch a lavar roupa, a
roçar o soalho da casa, dá-lhes a todos, para roerem, um corno de realidade. E
conta-nos depois.” – Vergílio Ferreira “Diário Inédito” – Melo, 15 de Agosto de
1948.
“Em Sartre mal há dor. E nas
situações mais trágicas uma secura prévia desintegra quase em cinismo, roçando
a gaucherie, o sofrimento que se não aceita, que a justiça recusa, que se
recusa pelo risco da sensiblerie – mas que se não transpõe sequer a um plano de
força, de coragem traduzida em serenidade. Mas seria um erro grave que esse
quase cinismo, aflorando na destruição da gravidade, o tomássemos realmente por
cinismo. Sartre é humano contra a sua vontade de desautorizar o sofrimento, de
o negar num quase escárnio, de o combater pelo autodomínio de um raciocínio
frígido. Fala-nos dessa humanidade a sua luta enorme, traduzida em acção real e
imediata, como no seu próprio e infindável questionar, transposto à sua obra
maciça. E é só porque ele existe nosso irmão desejável ou indesejável, que à
sua voz a ouvimos como nossa, venha dos cafés «equívocos» ou das tribunas dos
congressos. Presente ao mundo e concertado com ele, ainda que o mundo disso se
espante, Sartre é hoje uma força irrecusável, mais força talvez que a de tantos
intelectuais que pessoalmente preferimos.” – Vergílio Ferreira “O Existencialismo
É Um Humanismo – Da Fenomenologia A Sartre” – Fontanelas, 5 de Setembro de
1961.
Como cresces-te Companheiro Vergílio!
Mas é preciso negar para descobrir a força bruta de Existir! Após o último debate
entrámos no reino da aceitação, aceitámos que nos negaríamos sempre, para
depois, nos entranharmos serenamente.
O pupilo travessa por vezes do
mestre, pronto!