13 de novembro de 2016

CARTA

(Fotografia e edição da gestora do blogue)


Pela primeira vez não sou eu quem escreve…
Poema mudo, plenificado de gestos e sentidos 
Silêncio enxadado a toque e mimica
Mas os mortos negaram-no a ferro frio 
Clamavam voz na mortalha da palavra.



Os mortos também choram no vazio
Nesse hiato que ecoa entre os passos perdidos e o nada que são 
Esse nada a que as memórias omissas os vaticinam 
Como balas de borracha perdidas no oceano bravio  
Está-se morto e é tudo, e esse tudo também dói.



Pela primeira vez não sou eu quem escreve… 

Aqui, num só agora, são vossos estes vómitos 
Tanger trémulo e titubeante de medo 
Rijeza crua e seca talhada sem grito 
Rebentação de ossos e esquecimento.



Quebrou-se a ardósia para escrever, sangue de jorrar 

Peito aberto, pulmões ao alto e coração batente 
Porque são mortos, porque são esquecidos 
Adustos em fotografias debotadas e bolorentas 
Deslembrados de um qualquer baú da vida.

Pela primeira vez não sou eu quem escreve… 
Hoje, escreveram-me a mim.


15 de outubro de 2016

Nitescência






(Imagem fotografada pela gestora do blog – Rua Augusta, Lisboa – Outubro de 2016.)






Os últimos dias têm sido profícuos em critica. Ao espanto do novo Prémio Nobel da Literatura associou-se uma frenética verborreia ideológica do que é a literatura. Que o novo causa temor, não é em si mesmo novidade, contudo, não foi o temor da novidade que assolou o dedilhar critico, antes foram as amarras ao passado que inflamaram os discursos. Tocou-se a ferro na ferida do escritor, mister maior da literatura, assim ditam os costumes, e por fim colocou-se à prova a essência da sua pena.

O que deveria espantar e não espanta, é o comodismo com que os senhores da pena inflamam as suas obras, desumanizando-as. A essência da literatura não reside num vasto leque de montras ou numa escrita voluptuosamente refinada, dicionários e compêndios servem apenas para as prateleiras das bibliotecas. A incessante busca do perfeito e da figura maior, não serve ao Homem e concomitantemente não serve à literatura.

É-se em poucas palavras sumptuosamente bairrista no fincar de uma expressão de arte perante todas as demais. A rotulagem serve a garrafa ou o pacote de arroz na prateleira do supermercado, mas não serve à literatura enquanto manifestação humana e humanista. Da mesma forma não é um prémio por mais nobre, ou, granjeado que seja, que define ou rotula a universalidade e essência de uma obra ou de um autor.

Uma vantagem se vislumbra, no meio da ditadura do Nobel, a de que o escritor crie cada vez mais para os homens e menos para os prémios.