27 de julho de 2009

FAZ-TE AO MAR

( André Derrain)


Oscila meu vão pudor,
Por entre as vagas dessa barqueta,
Oscila meu traje de amador,
E faz da vida uma corveta.

Sonhos! Não te esqueças de os embarcar!
Pois que, levando uníssono o que és,
De viés – porto algum se fiará em te atracar!

Manso! Não ouses balbuciar ao vento!
E verás quão fraca será a necessidade.
Sim, vais a tempo! Desentranha a vaidade!

Mas se o mar te negar,
A companhia do par…
Sempre poderás navegar,
Na réstia levada do ar.

22 de julho de 2009

O POETA




O Poeta... quem é? O que é?

Pode ser um rosto entre mil, uma forma de ser entre muitas, uma panóplia de sentidos, ou, um eco de razão.

Não é fácil descrever o Poeta, não é fácil chegar à tradução por palavras de quem já em si é palavra e contudo, mais que palavra.


Quedo-me ante a falta de arte e engenho para o definir e abraço esse primordial elo, o elo da ligação do comum dos mortais com esse ser que trespassa tempos e universos numa valsa de sentidos.

O mundo hoje já não pertence aos loucos, pertence à razão do lucro … quebrantaram-se as asas que nos permitiam viver entre os mundos, amarrados ficámos às grilhetas da posse.

Entristece-me que este ser, seja tão menosprezado nos dias que correm… porque o Poeta não saber ser pressa, solução instantânea ou cura milagrosa para a inércia do homens, não saber ser procura barata e não sabe ser top de uma qualquer livraria…

Ele não medeia os dias pelo ganho, pela riqueza dos homens e a volúpia dos corpos, ele vai mais longe e cria o impossível, desafia os deuses e bebe do mais fino néctar do imaginário.

Só quem quer mais da vida, quem anseia por algo mais profundo e existencial que um Mercedes na garagem, que uma conta bancária num paraíso fiscal, consegue hoje pegar num livro de poesia… e sentir esse elo entre o mundo dos homens e o divino.

Para onde vamos despidos de poesia? Que mares navegaremos com barcos de ferro e âncoras de chumbo?

Que ares nos será possível voar com as asas adornadas de ouro?

9 de julho de 2009

A BATUTA DOS HÁBITOS MARCHETADOS



“Já me não entendo com essa gente dos comboios suburbanos; esses homens que homens se julgam e que, no entanto, como as formigas, estão reduzidos, por uma pressão que não sentem, aos hábitos que lhes criam. Quando ociosos, em que ocupam eles os seus absurdos e insignificantes domingos?
Certa vez, na Rússia, ouvi tocar Mozart numa fábrica. Escrevi a esse respeito. Recebi duzentas cartas insultuosas. Não quero mal aos que preferem um reles café-concerto. Nenhuma outra harmonia eles conhecem. Mas abomino o dono do café-concerto. Não gosto que degradem os homens.”


Antoine de Saint-Exupéry, in 'Terra dos Homens' – Publicações Europa-América

Poucos ocupam um segundo do seu pensamento a pensar o quanto das suas vida é tocada pela batuta de um outro maestro, que não eles próprios. A resposta é sempre impulsionada pelo sentido de posse, logo, redunda num taxativo – em mim ninguém manda sem ser eu. Quão ilusória é esta afirmação.

Mesmo, os que de mais livre são no pensamento, sabem que há sempre uma batuta de um outro maestro a pautar-lhes os hábitos, seja na roupa que escolhem, por vezes, para mesura social, seja até, nas melodias que permitem que lhes entrem nos ouvidos.

Afinal é isso mesmo que torna o hábito, a repetição pautada de um mesmo acto. E, mal algum existe quer no hábito, quer na batuta do maestro.

A questão encontra-se então, na escolha do hábito e na do maestro. É que, á leia de se pretender pertencer a um qualquer grupo, afinal todos os homens anseiam a pertença, quebram-se hábitos inatos e redunda-se, exclusivamente, á batuta do maestro escolhido. É aqui que está o erro e o cerne de toda a questão.

É que uma vez escolhido o maestro, mais nada se acrescenta. Perdido o maestro, desmorona-se a orquestra, questiona-se o sentido e o alcance da vida, questiona-se o próprio eu e a mesura dos dias, abertas ficam as portas da desordem.

Saint-Exupéry toca um outro acorde, o acorde do maestro e não o da orquestra. Desculpa a orquestra, por ela nada mais conhecer que a batuta do seu maestro e culpa o maestro por apenas marchetar uma única melodia.

Há diferenças entre o que digo e Saint-Exupéry? Há primeira vista parece que sim, eu falo de alhos e ele de bugalhos, contudo não existe diferença mas e apenas, diferentes prismas de um mesmo objecto, se repararmos a culpa tem de ser dividida, tanto é culpa da orquestra só seguir a batuta do seu maestro, como é culpa do maestro só marchetar uma melodia á sua orquestra.


É claro que, deve o maestro proporcionar novas melodias á sua orquestra mas, não menos verdade é que deve a orquestra seguir novos sons por sua própria vontade. O hábito pode ter criação externa, mas so é perpetuado por aquele que, continuamente, o pratica.

8 de julho de 2009

VOO


Pode ser…
Que exista mais um sentido,
Mais um elo, um fuso, a multidão
Pode ser…
Uma cor sem fundo num sonho
Um sabor fendido de emoção
Pode ser…
Que amanhã se diga não e
Se atravesse a lua com a palma da mão
Pode ser…
Que se diga adeus assim num limiar
E se selem todas as comportas
Pode ser…
Que se soltem as amarras
E se quebrantem vagas
Pode ser…
Dois em um, um em três
Mais tostões de um e dois de dez
Pode ser…
Que se construam os elos
Que se forcem rupturas
E se atravessem oceanos
Pode ser…
Pode sempre ser…
Mais
Pode ser…
Céu perdido nos vendavais
Um dia de Homem
Tudo o que o se quer e alcança
Livre de entulhos e balança
Pode ser…
Se para tanto á força de ser
Asas de par em par
Partirem do SE para voar.