21 de maio de 2009

O ENGANO DA BONDADE

(PAUL GAUGUIN)


"Endureçamos a bondade, amigos. Ela também é bondosa, a cutilada que faz saltar a roedura e os bichos: também é bondosa a chama nas selvas incendiadas para que os arados bondosos fendam a terra.
Endureçamos a nossa bondade, amigos. Já não há pusilânime de olhos aguados e palavras brandas, já não há cretino de intenção subterrânea e gesto condescendente que não leve a bondade, por vós outorgada, como uma porta fechada a toda a penetração do nosso exame. Reparai que necessitamos que se chamem bons aos de coração recto, e aos não flexíveis e submissos.
Reparai que a palavra se vai tornando acolhedora das mais vis cumplicidades, e confessai que a bondade das vossas palavras foi sempre - ou quase sempre - mentirosa. Alguma vez temos de deixar de mentir, porque, no fim de contas, só de nós dependemos, e mortificamo-nos constantemente a sós com a nossa falsidade, vivendo assim encerrados em nós próprios entre as paredes da nossa estuta estupidez.
Os bons serão os que mais depressa se libertarem desta mentira pavorosa e souberem dizer a sua bondade endurecida contra todo aquele que a merecer. Bondade que se move, não com alguém, mas contra alguém. Bondade que não agride nem lambe, mas que desentranha e luta porque é a própria arma da vida.
E, assim, só se chamarão bons os de coração recto, os não flexíveis, os insubmissos, os melhores. Reinvindicarão a bondade apodrecida por tanta baixeza, serão o braço da vida e os ricos de espírito. E deles, só deles, será o reino da terra."
Pablo Neruda, in "Nasci para Nascer" – texto retirado do Citador,
http://www.citador.pt

A bondade… que palavra é esta? Que significa ela no meio do turbilhão egocêntrico dos dias de hoje?

O que representa ela no, e, para o homem?

Eu sei, mais uma panóplia de interrogações, quando o que se quer são respostas, certo?

A minha preocupação não é essa, porque o mais importante não é a resposta, mas o caminho que nos conduz a ela e, indubitavelmente, o porquê da pergunta.

Sinto que cada vez mais, o ser humano tem menos questões de fundo e procura muito pouco saber o que é, de onde vem e para onde vai, eis o motivo das minhas perguntas.

Obviamente, todos diremos, eu sei quem sou, sei de onde vim, sei onde estou e sei para onde vou e obviamente diremos isso, fincados na certeza, na nossa concreta certeza.

Esse é o maior dos erros, a certeza, e é-o porque nos impede de percorrer novos prismas de um mesmo objecto.

Esse é também, o mais notório facto de que não somos bondosos, ou de que, à capa de uma bondade ilusória, representamos ser, sem nunca o sermos.

Acordemos então do sono da Bela Adormecida, deixemos de lado os ais de Madalena Arrependida e encaremos de frente o que queremos; a bondade não reside numa mão pousada sobre o ombro, ou, num olhar de piedade, mas na nudez de nós para connosco próprios, sem o ardil dos ses, liames da nossa mentira.

Levantemos então as interrogações porque, não perguntar é manter na ignorância as respostas e é, sem suprema dúvida, um engano da bondade.

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