25 de julho de 2011

EPOPEIA DO HUMANO


(Eugène-Henri-Paul Gaugin : Mahana no Atua  - 1894.)




Busco em ti a metáfora de verdades inverosímeis.

Há como que uma constatação fatídica do sempre igual

e eu descrente nas promessas dos deuses procuro em ti

a derradeira centelha do diverso, do colorido, do abismal enlace incógnito,

tal qual, libelinha frenética no imenso azul do céu.



Em consciente renúncia da razão, verto por todo o conhecido

ácido em proporções de mar na esperança de te sentir nu

dessa argamassa pungida dos tempos, dos homens e dos espelhos.



Não entrarão na epopeia números ou planos de arquitecto,

nem poderão as estrelas servir de guia a esta campanha.

Pois sobre mim derramei a última das mais firmes vontades,

a de chegar a ti, Homem ,escorrido do ventre e limpo de pulmões,

a quem se quedaram promessas de eternidade.

17 de julho de 2011

FANTASMAS


(AL BERTO  "Horto de Incêncio" - 3.ª edição - Dezembro de 2000. Fotografia da capa: Paulo Nozolino - Editora Assíro & Alvim)



Fantasmas… os da memória, ou, talvez os do coração, nunca os da razão. Fantasmas… recordo-me de que sempre amei a escrita, sem ela esfuma-se qualquer essência do que sou, e no entanto, nos meus fantasmas aparecem personagens que sempre disseram, “não o caminho não pode ser por aí, a arte das palavras é para os Grandes, e tu não serás um deles.” É curioso que se aniquilem os sonhos dos outros com base na própria imagem do fracasso e do medo, é curioso que de todas as heranças que se queiram transmitir, se prefira deixar os fantasmas, a um abraço forte…


Divago… nada disto tem a ver com o poema de Al Berto, nem com a escrita dele, mas só o tema deste poema faz-me voar, quem sabe em voo de espanto dos fantasmas…


O meu contacto com Al Berto, aconteceu por mero acaso, num banco da faculdade no último ano do curso de direito, onde um colega trazia debaixo do braço o Medo de Al Berto, para defender a sua nota de filosofia do direito. Pensei: “É louco! O que é que este livro tem a ver com a filosofia do direito?”. Mas - e há sempre um mas – a vida é dos loucos, dos verdadeiramente loucos que dissecam até às entranhas aquilo em que acreditam.


E em comunhão com os meus fantasmas aqui fica Al Berto, e o que ele espera não são fantasmas e encontra-se transcrito nas suas próprias palavras no final do poema.



fantasmas

bateram à porta – não abriste

estavas a convocar nesse instante a brancura,

dos dados por lançar e o corvo do sr. poe mais

o maléfico negrume dos mares de melville e

os passos em redor do andarilho etíope e

as mulheres da patagónia que estão sentadas

ao fim da tarde

à beira de insondáveis glaciares


seguias absorto o percurso daquele que comprava

revistas tabaco souvenirs e via os comboios

sumirem-se na gare de Munique – mais a rua onde

te encontro e te perco – rapaz

a quem se esqueceram de dizer que tinha um corpo

de papel bom para amachucar com os dentes


é verdade – bateram à porta

mas não podias abrir

nesta casa só sobrevive a memória turva

dos poemas amados - mais ninguém mais nada

além da parede de lodo e da caixa de sapatos

cheia de sílabas preciosas – e de uma mesa pequena

com um albatroz empalhado para te vigiar a alma


a um canto da sala o cigarro continua a arder

na ponta dos dedos do teu retrato escondido

atrás do sofá – virado para a parede

como tu

coberto de bolor de sustos e de aborrecimento

“Aterrador foi ter-me apercebido o que havia neste livro de premonitório («Horto de Incêndio»). A eternidade não é lerem-me dentro de 50 ou 60 anos ou ficar na história da literatura portuguesa. Só espero que meia dúzia de doidos me leiam agora e isso os toque.” – Al Berto