22 de outubro de 2011

O PASSADO

(IMAGEM FOTOGRAFADA PELA AUTORA DO BLOGUE - ROMA 2010)


"Uma obra não resolve nada, assim como o trabalho de uma geração inteira não resolve nada. Os filhos - o amanhã - recomeçam sempre e ignoram alegremente os pais, o já feito. É mais aceitável o ódio, a revolta contra o passado do que esta beata ignorância. O que havia de bom nas épocas antigas era a sua constituição graças à qual se olhava sempre para o passado. Este, o segredo da sua inesgotável plenitude. Porque a riqueza de uma obra - de uma geração - é sempre determinada pela quantidade de passado que contém."


Cesare Pavese, in 'O Ofício de Viver'  -  texto retirado do Citador.



Para mim a riqueza do Homem, não reside no presente ou no futuro, mas sim no passado, no já experimentado, no bom e no mau, essencialmente, no vivido. Só assim se pode construir um presente e um futuro. A necessidade de ruptura com o que foi, levou o Homem a esquecer o que é e de onde vem, limitando à priori o que será. E porquê? Porque na sua fuga embebida de revolta, ele abandona os erros, ignora-os, esconde-os debaixo do tapete, negligenciando, levianamente, conhecimento e suporte às gerações futuras.

De tragédias gregas e de heróis romanescos está a eternidade cheia, garantimos isso a cada virar de página do livro da vida. Há milénios que o Homem caminha sobre os seus dois pés, contudo, e como desde o inicio, é ainda incapaz de caminhar com a cabeça sobre os ombros.

Cesare Pavese, transcreve em linhas o essencial, uma grande obra, uma grande batalha vencida, não resolve nada, absolutamente nada, e porquê? Porque, amanhã também ela será esquecida, lançada às parcas e desfeita em pó como os ossos dos antepassados. O Homem do hoje só quer os feitos do futuro, a magnitude do ego alçado até á lua, tal qual, vencedor da suprema glória.

Dizei-me, quantos erros do passado praticas tu hoje, porque ignoras onde se errou ontem? Ajudar-te-ia mais a criar o amanhã ideias frescas e novas, ou, o conhecimento do que já foi, para que também tu possas não cair na mesma sacrossanta asneira?

Por último, pergunta-te: Onde serei mais Homem? A odiar, excomungar e a erguer revoluções por cada um dos erros do Homem. Ou, aprendendo a construir, a erguer e a solidificar os alicerces da Humanidade em cima de cada erro que já foi cometido?

Ignora o que foi feito ontem e vence muitas batalhas, tantas quantas te permitirem o corpo  e os deuses. Ergue grandes obras e uma estátua a cada esquina por todos os teus feitos, mas não te esqueças que há um amanhã e nele serás tão ignorado, como ignoras-te o teu passado.

5 de outubro de 2011

HUMANIDADE

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)

"Não aleijemos a pobre humanidade mais do que ela já está com tantas sacudidelas da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, de cima para baixo e de baixo para cima. Do individualismo para o colectivismo e do colectivismo para o individualismo. Não sejamos tão crianças que queiramos levantar ao ar a esfera pretendendo agarrá-la apenas pelo hemisfério da direita ou apenas pelo da esquerda, ou apenas pelo hemisfério superior, porque a única maneira de agarrá-la bem tão-pouco é pôr-lhe as mãos por baixo, nem ainda abraçando-a com os dois braços e os dedos metidos uns nos outros para não deixar escapar as mãos e com o próprio peito do lado de cá a ajudar também; a única maneira de equilibrar a esfera no ar é deixá-la estar no ar como a pôs Deus Nosso Senhor, ás voltas à roda do sol, como a lua à roda de nós e assegurada contra todos os riscos dos disparates da humanidade. 
Não temos mais remédio do que ir aprender tecnicamente como funcionam estas coisas tão naturais! 
O Mundo da Natureza é o modelo dos modelos de todas as maquinarias, porque não havemos então de acertar também o mundo social no seu próprio funcionamento como todas as outras máquinas do mundo? "

Almada Negreiros, in "Ensaios" - Editor: INCM - Imprensa Nacional da Casa da Moeda, Colecção: Obras Completas de Almada Negreiros.