26 de setembro de 2011

PARTE

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)

Olhou com dor os olhos dela, partiu. O caminho será longo, dias virão que se arrependerá de ter partido, mas hoje venceu-o o cansaço, o silêncio, a raiva incontida dos gestos que os aniquilam aos dois. Onde pode estar, na ausência, o amor?

O hábito articulou-lhes os dias, as respostas sempre iguais, o passar das horas e a contagem dos segundos numa aceitação passiva de um amanhã, nem melhor, nem pior, mas tão vazio como o hoje. Onde pára a memória do primeiro beijo? Que importa isso? Há as contas para pagar, os almoços de domingo, há o cunhado, a irmã, o pai, a tia, o primo, e toda uma sociedade a quem não se pode desiludir, fica-se.

Fica-se porque é dura a mudança, porque se teme a perda, o arrependimento, o passo errado. Ficasse porque é cómodo, é conhecido, é chão já palmilhado e não se tem de pedir perdão.

Fica-se porque o lamento é fácil, é a ardósia segura com que se pode escrever uma vida, e um suspiro dói menos que uma lágrima.

Há lá fora ar vivo de novos rosto, novas vibrações… e de novo a ausência de um para com outro, como foi que te conheci?

Mas hoje, hoje venceu-o o velho cansaço e por isso parte. A cabeça descolou-se do corpo… um turbilhão! E a vontade de gritar surge para afastar esse nó que lhe sufoca as entranhas.

Parte, não por um novo amor que lhe bate à porta, essa seria uma estrada segura…sim uma estrada segura…. Mas ele parte apenas porque lhe sufocam as memórias do que foi e a inexistência do que é.

15 de setembro de 2011

A ESCRAVATURA DOS ESPELHOS

(IMAGEM RETIRADA AQUI)


Nos dias que correm torna-se cada vez mais difícil encontrar pessoas únicas, de sentido próprio, daquelas que são como são, que mesmo ao pensarem num conceito universal, impõem à tradução do seu pensamento um cunho único. Pessoas que se destacam da multidão pelo seu génio próprio, que riem, choram e berram à sua única e singela maneira. Hoje, há como que uma estandardização do Homem, e o diferente tornou-se banal, de fácil encontro a cada esquina.

Não só vivemos uma época em que o que conta é o exterior, como se vive, literalmente, do espelho, procura-se em catálogo não só a imagem que ser quer ter, como o que se quer ser. A perfeição exige-se, proliferam as cirurgias estéticas, criam-se fotografias baseadas na imagem idealizada de um qualquer estereótipo e chama-se a isso beleza.

O Homem enveredou pelo caminho do sempre igual, nessa fuga interminável do confronto consigo mesmo, refugiou-se no espelho. Move-se como escravo ao comando ríspido da chibata de uma qualquer frívola senhora moda dos tempos.

Numa época em que tudo se pode encontrar no hipermercado do centro comercial da vila, não se conseguem encontrar Homens de verdade, feitos de carne, sangue e ossos, feitos dos traços próprios da vivência, marcados com as cicatrizes das batalhas vencidas e perdidas na vida. Não, isso é pertença do passado, hoje adornamos o corpo, polimos a pele até à lisura do mármore e saciamos o ego com um regozijo ao espelho, eis Senhores que o Homem evoluiu!

Cai o pano, a luzes do palco apagam-se, o que é que resta no silêncio, do teatro da vida? Que espelho funciona na escuridão para alimentar esse ego insaciável? Que Homem se é quando já não existem os outros para nos ver representar?


Mas não desesperemos! Nem pensemos demasiado no porquê das perguntas, porque amanhã de novo virá o nosso Amo de chibata em punho, comandar-nos a  vida.

11 de setembro de 2011

CHEGA AMANHÃ PELO CORREIO

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)

"Todos os anos exterminamos comunidades indígenas, milhares de hectares de florestas e até inúmeras  palavras das nossas línguas. A cada minuto extinguimos uma espécie de aves e alguém em algum lugar recôndito contempla pela última vez na Terra uma determinada flor. Konrad Lorenz não se enganou ao dizer que somos o elo perdido entre o macaco e o ser humano. Somos isso, uma espécie que gira sem encontrar o seu horizonte, um projecto por concluir. Falou-se bastante ultimamente do genoma e, ao que parece, a única coisa que nos distancia na realidade dos animais é a nossa capacidade de esperança. Produzimos uma cultura de devastação baseada muitas vezes no engano da superioridade das raças, dos deuses, e sustentada pela desumanidade do poder económico. Sempre me pareceu incrível que uma sociedade tão pragmática como a ocidental tenha deificado coisas abstractas como esse papel chamado dinheiro e uma cadeia de imagens efémeras. Devemos fortalecer, como tantas vezes disse, a tribo da sensibilidade..." - José Saramago, in "Revista Universidad de Antioquia (2001) - texto retirado do Citador, in "www.citador.pt".


Saramago é um escritor designado por uns de polémico, para outros não há perdão pelas ideologias que perfilhou e por isso mesmo, é irrelevante a sua escrita, ou, o seu pensar; não se lê ponto. Para muitos é uma referência, para mim é incrível que um só homem possa encerrar tanta opinião. Mas, daqui a cem anos o que restar da sua escrita não terá cunho algum, a não ser aquele que ficar do meandro das suas palavras e só elas poderão dizer se contêm centelha de imortalidade, no entanto, para a geração de então não haverá o árduo trabalho de separar o trigo do joio. Bons deuses poupámos pensar ao futuro!

E porque o que se quer é um Homem Económico, Elástico e Global, hoje (afinal o que conta não é o Saramago, nem o que ele pensa, escreve ou alvitra, ou sequer, o que qualquer comum homem pense, a não ser que venha em embrulho de montra, esse sim, importante porque se pode exibir ao vizinho, e isso é, sem suprema dúvida, o que mais importa) também não precisamos Ser. Afinal amanhã já temos futuro, foi encomendado via internet e são grátis os portes de envio, trás a chave mágica da partilha no facebook, twitter e quejandos, congratulemo-nos!