13 de novembro de 2016

CARTA

(Fotografia e edição da gestora do blogue)


Pela primeira vez não sou eu quem escreve…
Poema mudo, plenificado de gestos e sentidos 
Silêncio enxadado a toque e mimica
Mas os mortos negaram-no a ferro frio 
Clamavam voz na mortalha da palavra.



Os mortos também choram no vazio
Nesse hiato que ecoa entre os passos perdidos e o nada que são 
Esse nada a que as memórias omissas os vaticinam 
Como balas de borracha perdidas no oceano bravio  
Está-se morto e é tudo, e esse tudo também dói.



Pela primeira vez não sou eu quem escreve… 

Aqui, num só agora, são vossos estes vómitos 
Tanger trémulo e titubeante de medo 
Rijeza crua e seca talhada sem grito 
Rebentação de ossos e esquecimento.



Quebrou-se a ardósia para escrever, sangue de jorrar 

Peito aberto, pulmões ao alto e coração batente 
Porque são mortos, porque são esquecidos 
Adustos em fotografias debotadas e bolorentas 
Deslembrados de um qualquer baú da vida.

Pela primeira vez não sou eu quem escreve… 
Hoje, escreveram-me a mim.