31 de agosto de 2010

PLACITUDE








E amanhã talvez te soltes com o olhar vago das maresias

Hoje não que é tempo de labuta

E a inquietude fugidia joga o enlace do imberbe

Talvez condenes os homens pelo semblante das vias

Mas nunca pelas fugas dos seus deleites

Amanhã quem sabe chegarás ao que resta de soltura

Como utopia nodulosa de verdura

Visco ardente de sangue alma e frontaria

Mas hoje não que é desperdício de sentido

E chegará o tempo em que sem mãos

Julgarás os céus pelo momento perdido

Mas hoje não que é hora da cozedura do pão

3 de agosto de 2010

TODOS SABEMOS

(QUINO)



“Todos sabemos que somos animais da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do género homo, da espécie sapiens, que o nosso corpo é uma máquina com trinta biliões de células, controlada e procriada por um sistema genético que se constitui no decurso de uma longa evolução natural de 2 a 3 biliões de anos, que o cérebro com que pensamos, a boca com que falamos, a mão com que escrevemos, são órgãos biológicos, mas este conhecimento é tão inoperante como o que nos informa que o nosso organismo é constituído por combinações de carbono, de hidrogénio, de oxigénio e de azoto.” Edgar Morin in “O Paradigma Perdido”, Publicações Europa-América.

Todos sabemos que somos uma máquina biológica, sabemos enfim, que somos uma parafernália de dados, fórmulas matemáticas e geométricas, pura física, ou, química, conforme o estudo da ciência com que mais se engrace.

Sim, todos sabemos isto, basta que se tenha tido um pouco de atenção na escola, ou, na falta dela, se olhe o homem de soslaio e se veja em dia de tédio as notícias na TV, sempre muito cheias de verdades e descobertas estatísticas, nos dias em que, por mero acaso, não existe uma catástrofe para anunciar.

Mas de fundo, o que sabemos nós sobre o Homem?

A esta pergunta, dão respostas a Filosofia, a Sociologia, a Antropologia e outras tantas ciências sociais e humanas. Tudo sempre feito de forma muito escolástica, rígida e vestida de proficiência.

E depois há o assombro, de nada disso ser verdade, de as ciências terminarem no frio glacial do laboratório, ou, no enfadonho do papel, e a vida passa aqui ao lado, tão viva, tão quente…

Hoje, ao ler o “Diário Inédito”, obra do espólio de Vergílio Ferreira, saltou-me à alma este trecho: “Eu SEI o mistério de certos instantes, sei-o porque o cheiro, o palpo, o vejo com o branco dos olhos abismados. Eu saboreio com um sabor diferenciado de provador de vinhos ou de tabaco, a realidade íntima de um momento de amor, de paz, de guerra odienta, a tristeza coalhada de um luar de Setembro, o recorte álgido de uma lua de Março, o assombro hiante de um nevão caindo por manhãs de Dezembro. É um segredo de estar implicado nesses instantes, passivo e aberto. Um segredo de uma tristeza ou alegria, ou amor ou ódios implícitos, coados da distância, fina e leve, presente e antiga. Tudo tem um mistério nodal. Achá-lo é uma arte.”

E todos sabemos, com, ou, sem jornais, vestidos de ciência, ou, nus de palavras que somos mais, muito mais.

A questão com que termino é simples e de todos os quadrantes: o que fazemos com o que sabemos?