(QUINO)
“Todos sabemos que somos animais da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do género homo, da espécie sapiens, que o nosso corpo é uma máquina com trinta biliões de células, controlada e procriada por um sistema genético que se constitui no decurso de uma longa evolução natural de 2 a 3 biliões de anos, que o cérebro com que pensamos, a boca com que falamos, a mão com que escrevemos, são órgãos biológicos, mas este conhecimento é tão inoperante como o que nos informa que o nosso organismo é constituído por combinações de carbono, de hidrogénio, de oxigénio e de azoto.” Edgar Morin in “O Paradigma Perdido”, Publicações Europa-América.
Todos sabemos que somos uma máquina biológica, sabemos enfim, que somos uma parafernália de dados, fórmulas matemáticas e geométricas, pura física, ou, química, conforme o estudo da ciência com que mais se engrace.
Sim, todos sabemos isto, basta que se tenha tido um pouco de atenção na escola, ou, na falta dela, se olhe o homem de soslaio e se veja em dia de tédio as notícias na TV, sempre muito cheias de verdades e descobertas estatísticas, nos dias em que, por mero acaso, não existe uma catástrofe para anunciar.
Mas de fundo, o que sabemos nós sobre o Homem?
A esta pergunta, dão respostas a Filosofia, a Sociologia, a Antropologia e outras tantas ciências sociais e humanas. Tudo sempre feito de forma muito escolástica, rígida e vestida de proficiência.
E depois há o assombro, de nada disso ser verdade, de as ciências terminarem no frio glacial do laboratório, ou, no enfadonho do papel, e a vida passa aqui ao lado, tão viva, tão quente…
Hoje, ao ler o “Diário Inédito”, obra do espólio de Vergílio Ferreira, saltou-me à alma este trecho: “Eu SEI o mistério de certos instantes, sei-o porque o cheiro, o palpo, o vejo com o branco dos olhos abismados. Eu saboreio com um sabor diferenciado de provador de vinhos ou de tabaco, a realidade íntima de um momento de amor, de paz, de guerra odienta, a tristeza coalhada de um luar de Setembro, o recorte álgido de uma lua de Março, o assombro hiante de um nevão caindo por manhãs de Dezembro. É um segredo de estar implicado nesses instantes, passivo e aberto. Um segredo de uma tristeza ou alegria, ou amor ou ódios implícitos, coados da distância, fina e leve, presente e antiga. Tudo tem um mistério nodal. Achá-lo é uma arte.”
E todos sabemos, com, ou, sem jornais, vestidos de ciência, ou, nus de palavras que somos mais, muito mais.
A questão com que termino é simples e de todos os quadrantes: o que fazemos com o que sabemos?
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