22 de outubro de 2010

SILÊNCIO

(Imagem retirada daqui)


SILÊNCIO. Sem voz? SILÊNCIO. Sem palavras? SILÊNCIO. Sem imagens? SILÊNCIO. Sem o que sou? SILÊNCIO. Sem o que sinto? SILÊNCIO. Sem vida? SILÊNCIO. Mas porquê? SILÊNCIO.


SILÊNCIO. É o tudo que existe quando os dias são dias, a vida uma manta de retalhos esquecida a um canto e a história um pedaço de papel.



29 de setembro de 2010

SÃO ROSAS SENHOR!





São Rosas Senhor! São Rosas!

Excomunga-se a verdade pelas sobras do que há-de vir.

Não há sopé que desdenhe mais as entranhas

Que o bicho foragido do ventre.



Mas são Rosas Senhor! São Rosas!

Uma parafernália de entrelinhas

Que se desunham num lusco-fusco fugidio.

Coalho em sentido defronte ao quartel.



Pelos céus! São Rosas Senhor! São Rosas!

Podem ser sem essência e nuas de rubor…

Mas blasfema quem disser o contrário.

Sem escória seriam apenas Homem.



Que dizer Senhor? São Rosas!

Negras como as ladeiras enxertadas

Que desgranam os lampinhos

Mal principia a manhã.



Mas Senhor são só Rosas!

Perdoai-lhes as maledicências

As cruentas ginásticas morais

As tortuosas escadarias de poder

E verás Senhor se não são só Rosas!

24 de setembro de 2010

RAPAPÉ


(Henri-Émile-Benoît Matisse)



Há fado na voz e nesse monte de cordas caído aí ao canto

Cornucópias tímidas percorrem essa luz de silêncio

Que poisas-te passava pouco mais das quatro da tarde.

Companheiro, a tua jorna não é tão distante

Que não caiba nela um abraço forte!



As toupeiras fogem já da terra arenosa

Aquela da qual falámos horas a fio nas tardes de enfadonho

São bichos esquisitos estes que se movem às cegas.



A vida tem destas coisas, ora se pulula de um quê

Ora se branda aos ventos pelas mesinhas da avó.

De igual só os sapatos que trago hoje

Porque esses não os mudo eu que é desperdício.



Das cantorias e dos versinhos sobra sempre uma companhia.

Se não lha arremata o tinto do velho Baco

Arremato-a eu que de calado só quando o sono me leva.



Já se faz tarde, foi de gosto chegar a este canto

A que chamas corpo e ao qual dás aprumos de rei.

Saudinha da boa e calma nos calcanhares

Que o tempo não anda para marés baixas.

 

16 de setembro de 2010

SÓ POR HOJE


(Vergílio Ferreira - imagem retirada aqui)


Évora, 25 de Fevereiro


   Mais um conto - «A Palavra Mágica». Mas com que dificuldade! Todavia consegui desabafar desta saturação de palavras com que os jornais, a rádio, as conversas envenenam o ar. Cansado, caramba! Sobretudo cansado de querer acreditar. A cada canto, um sistema perfeito de vocábulos. Ao princípio era o Verbo e o Verbo se fez terrorismo. Não me falem em Razão. Falem-me em crenças, em mitos, em paixões. Mas ninguém tem essa coragem. Pegam numa pedra e lapidam-na de geometria. Depois fala-se na geometria, no rigor das linhas, na fatalidade da exactidão. Só não falam na pedra, bons deuses! Na pedra, que é a verdade fundamental.

Não me peçam hoje lágrimas para aquele que morreu
e pensou.
Não me aluguem o dó, que não está disponível.
Nem me peçam que no sangue do que só acreditou
e morreu,
eu beba aquela coragem que sinceramente não tenho.
Fé por fé basta-me esta de acreditar hoje, só hoje,
que afinal não vale a pena.
Amanhã talvez esqueça
ou perdoe.
Mas por hoje, céus, emprestai-me
essas tubas dos arcanjos do fim do mundo,
ou a trombeta castelhana d'Os Lusiadas,
ou qualquer coisa que berre.
Não tenho ideias a dizer
nem sonhos, nem ódios nem promessas.
Tenho só um grito, mas um grito longo,
horrendo, fero, ingente e temeroso
que me diz todo
por hoje,
só por hoje.


In Diário Inédito, obra do Espólio de Vergilio Ferreira, Editora Quetzal


Hoje e só por hoje, estas palavras, este Homem e este som, fazem-me eco nos sentidos, na alma e na razão.

31 de agosto de 2010

PLACITUDE








E amanhã talvez te soltes com o olhar vago das maresias

Hoje não que é tempo de labuta

E a inquietude fugidia joga o enlace do imberbe

Talvez condenes os homens pelo semblante das vias

Mas nunca pelas fugas dos seus deleites

Amanhã quem sabe chegarás ao que resta de soltura

Como utopia nodulosa de verdura

Visco ardente de sangue alma e frontaria

Mas hoje não que é desperdício de sentido

E chegará o tempo em que sem mãos

Julgarás os céus pelo momento perdido

Mas hoje não que é hora da cozedura do pão

3 de agosto de 2010

TODOS SABEMOS

(QUINO)



“Todos sabemos que somos animais da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do género homo, da espécie sapiens, que o nosso corpo é uma máquina com trinta biliões de células, controlada e procriada por um sistema genético que se constitui no decurso de uma longa evolução natural de 2 a 3 biliões de anos, que o cérebro com que pensamos, a boca com que falamos, a mão com que escrevemos, são órgãos biológicos, mas este conhecimento é tão inoperante como o que nos informa que o nosso organismo é constituído por combinações de carbono, de hidrogénio, de oxigénio e de azoto.” Edgar Morin in “O Paradigma Perdido”, Publicações Europa-América.

Todos sabemos que somos uma máquina biológica, sabemos enfim, que somos uma parafernália de dados, fórmulas matemáticas e geométricas, pura física, ou, química, conforme o estudo da ciência com que mais se engrace.

Sim, todos sabemos isto, basta que se tenha tido um pouco de atenção na escola, ou, na falta dela, se olhe o homem de soslaio e se veja em dia de tédio as notícias na TV, sempre muito cheias de verdades e descobertas estatísticas, nos dias em que, por mero acaso, não existe uma catástrofe para anunciar.

Mas de fundo, o que sabemos nós sobre o Homem?

A esta pergunta, dão respostas a Filosofia, a Sociologia, a Antropologia e outras tantas ciências sociais e humanas. Tudo sempre feito de forma muito escolástica, rígida e vestida de proficiência.

E depois há o assombro, de nada disso ser verdade, de as ciências terminarem no frio glacial do laboratório, ou, no enfadonho do papel, e a vida passa aqui ao lado, tão viva, tão quente…

Hoje, ao ler o “Diário Inédito”, obra do espólio de Vergílio Ferreira, saltou-me à alma este trecho: “Eu SEI o mistério de certos instantes, sei-o porque o cheiro, o palpo, o vejo com o branco dos olhos abismados. Eu saboreio com um sabor diferenciado de provador de vinhos ou de tabaco, a realidade íntima de um momento de amor, de paz, de guerra odienta, a tristeza coalhada de um luar de Setembro, o recorte álgido de uma lua de Março, o assombro hiante de um nevão caindo por manhãs de Dezembro. É um segredo de estar implicado nesses instantes, passivo e aberto. Um segredo de uma tristeza ou alegria, ou amor ou ódios implícitos, coados da distância, fina e leve, presente e antiga. Tudo tem um mistério nodal. Achá-lo é uma arte.”

E todos sabemos, com, ou, sem jornais, vestidos de ciência, ou, nus de palavras que somos mais, muito mais.

A questão com que termino é simples e de todos os quadrantes: o que fazemos com o que sabemos?

28 de julho de 2010

DIZEM-ME




Dizem-me, sou presente com armadura de passado.

Ah! Quem dera que a lógica simplista fosse assim, bucólica

Como o milhafre em vaga de horizonte.



Mas as vielas da vida contam outros andrajos.

A pele que nos cobre é sempre mais que a lisura do mármore

E os passos, certos ou errados, nunca são iguais.



Dizem-me, o coração vive de lógicas matemáticas.

Como se ele não fosse arritmia e bombear,

Mas relógio servo e coloquial.



Podem-me podar as verdades á laia de verdade maior.

Podem me toldar os pensamentos à força de um pensamento maior.

Mas no coração não me bolem, sou ser construído!

23 de julho de 2010

UMA HIPÓTESE E DUAS CORRENTES

(DESENHOS DE LEONARDO DA VINCI)


Um dia vão escrever-me a biografia, com atestados e certidões, coisa imponente. Vão verificar que existi á força bruta de um assento de nascimento e com a certeza de um óbito.

Para talhar o trabalho, sempre tão difícil de descrever o caminhar de um Homem, escrevam apenas: nasceu, aprendeu a andar e um dia pereceu exausta de tanto pensar; é o que basta, as entrelinhas ditarão o resto.



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Penso com todos os fios da razão

E logo ali ela se me perdeu.

Escuto a verdade com toda a força

Do meu ouvir e logo ali ela se silenciou.

Vejo o sonho com toda a utopia

De se sonhar e logo ali ele se quedou.

São assim escrupulosas as artérias de se ser.

Esgrimem argumentos os pensantes

Mas também eles são agnósticos.

Com que ficamos depois da tempestade?

Com os cacos do que não se lhe levou as águas da tormenta.

Chega? Talvez… mas quem me pediu para existir?



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Toda a metafísica se me dói

Como uma linha de Verlaine em Pessoa.

Toda a existência se me corrói

Como uma linha de Sartre em Vergílio.

E são assim construídos sentidos ausentes

Com a força pura do pensar

Como esses ossos dormentes em que me deixo estar.

Há laia de me ler nas palavras dos outros

Vou-me adocicando em sonos poucos

Mas toda a pureza do Ser vai aos outros buscar

A certeza de Ter águas em alto mar.

21 de julho de 2010

VER

(O HOMEM DE VITRÚVIO - LEORNADO DA VINCI)


"Aprender a ver - habituar os olhos à calma, à paciência, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós; aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é já quase o que o modo afilosófico de falar denomina vontade forte: o essencial nisto é, precisamente, o poder não «querer», o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — tem que se reagir, seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que é já doença, decadência, sintoma de esgotamento, — quase tudo o que a rudeza afilosófica designa com o nome de «vício» é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. — Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espécie deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mão. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o facto pequeno, o estar sempre disposto a meter-se, a lançar-se de um salto para dentro de outros homens e outras coisas, em suma, a famosa «objectividade» moderna é mau gosto, é algo não-aristocrático par excellence." - Crepúsculo dos Ídolos de  Friedrich Nietzsche.



Escutar e ver não é tão fácil como aparenta ser.

Tudo bem, olhos e ouvidos tomos possuímos, é um dado, em regra, adquirido à nascença.

A questão que coloco é: será que todos nós vemos e ouvimos correctamente? Dito de outra forma, passado o impulso inicial e ante um determinado acontecimento, realmente vimos e ouvimos, ou, limitamo-nos como caixa formatada a reagir?

Por experiência própria, sei bem que nem sempre ouço e vejo, retiro, muitas das vezes, conclusões baseadas em puras reacções mecânicas, que mais não são do que mecanismos internos de defesa.

Outras vezes, a reacção mecânica, nada tem a ver com a defesa, antes com presunções e ideias pré feitas.

O que nos diz Nietzsche, no texto supra transcrito, é que, ao que vemos, podemos à senda da nossa vontade, não reagir, de acordo, não com o que vemos, mas com o impulso que nos provoca o que vemos.

A tendência, direi quase que natural, é a da critica, há como que um estender exagerado de considerações sobre o que vemos, e isso denota-se, particularmente, quando o que vemos nem sequer tem suma importância, ou, quando o que vemos é algo novo e desconhecido.

E se nós, com a nossa vontade, retirássemos o impulso inicial crítico e deixássemos as ideias pré-concebidas fora da visão, o que é que nós, realmente, víamos?

Toda a arte pressupõe duas coisas: inspiração e vontade, mas dessas duas coisas nada se materializaria sem um contínuo labor.

O dia-a-dia de um Homem, não é muito diferente da arte, quando ele toma para si, a feitura da sua obra.

19 de julho de 2010

ESCOLHA

(O RAPTO DE  GANIMEDES - MICHELANGELO)




“Está sentada numa cadeira de rodas. Tem as pernas cortadas pelos joelhos. E entretanto a morte vai-a trabalhando no que lhe resta ainda vivo. Havia uma operação a retalhar essa morte, mas os médicos hesitam no receio de lhe ajudar o trabalho. E enquanto o fim não vem, ela pinta. E ri com os amigos. E inventa festins para celebrar com eles a alegria que perdura. Breve talvez tudo acabará. Mas como o apóstolo, ela poderá perguntar ó morte, onde está a tua vitória? E a morte levá-la-á, enfim, mas acabrunhada de vergonha e de silêncio.”Vergílio Ferreira in “Escrever”, Bertrand Editora.


A vida é o maior dom de um Homem, e é-o porque sem ela, no mundo a que chamamos “real” nada poderia existir, ser construído e perpetuado.

A maioria de nós, não tem o mínimo conhecimento desse incrível dom que é a vida, caminha no mundo com lamentos, de coração e olhar vazios, clamando dos Deuses amparo para as suas dores.

Há aqueles ainda que reclamam o seu direito a escolher entre estar vivo e estar morto, bradando aos ventos que a vida e a morte não podem ser escolha de um qualquer Deus.

Outros há ainda que, vivem por viver, estão cá, que se há-de fazer… continuar a passar os dias e esperar o que tiver que acontecer a seguir.

Os tempos de hoje são assim a modos que amorfos, sem chama, fugidios nas horas de prazer, penosos e longos nas horas de dor. Como se o facto de se respirar fosse um fardo duro de suportar. Fizeram-nos assim, que se há-de fazer? É o que dizem…

Mas quem é que os fez assim? Acaso a vida de um homem é diferente da do outro? Não respiram os dois? Não é carne, ossos e sangue o que compõe, os dois?

A nossa sorte é que os há, a quem a vida é mais que um longo suspiro, mais que um bramir de ossos, ou, um ai jesus, é uma bênção, dádiva inigualável de se ser, de se existir.

Para nossa salvação, há quem não pergunte porque tem vida, quem agarre nela e a sinta e a use em cada poro do seu ser, há quem não vigie o fim dos dias para mudar, para crescer, para ir mais além e roubar dos céus pedaços de infinito, há quem não aguarde os desígnios dos deuses para rir e há quem não se preocupe com o chegar da morte, porque apreendeu a sentir a sua vida, porque usou cada segundo do seu dom. E a estes o que poderá a morte fazer, senão os levar silenciosa?

E a todos os Homens foi dito: a escolha é tua.

15 de julho de 2010

NÃO TE ESCONDAS



Não te escondas…

Há labirintos como sedes de vitórias

Nenúfares naufragando á costa mar

Espaços vazios sem sentido para parar

Libelinhas frenéticas na roda dos sentidos

Há marcas de néctar nas glórias

Como espadas de histórias nos mitos perdidos

Não te escondas…

Dá um balanço em direcção ao infinito

Solta as candeias avessas aos auguros

Trepa, rebola e recolhe esses muros

Nada de nada te impede de rir

Luz que trespassa o pequenito

E vem de longe ver-te partir

Não te escondas…

Há chama nas clarabóias da vida

Mastro de velas ao luar

Pirilampos sacudindo o ar

Sonhos livres de fraquinhos

Cabelos ao vento em cela sentida

Grilos gritando aos pouquinhos

 
Não te escondas…

As searas brotam selvagens

Ante a cozedura dos avatares

Chega, não lamentes os azares

Que o caminho se faz caminhando

Sem a ceifa das vagens

Mas com o clarear do teu mando.

Não te escondas, entra e deixa-te ficar.


8 de julho de 2010

ONDE ESTÃO AS FÚRIAS QUE AS NÃO ENCONTRO?


(O REMORSO DE ORESTES - WILLIAM-ADOLPHE BOUGUEREAU)


Onde estão as Fúrias que as não encontro?


Jornada de melancolia desordeira

Glória, sede e vida inteira

Pára-raios, desova de ideia

Ais do que me dou no meio da cheia.



Onde estão as Fúrias que as não encontro?

Barco de papel feito ponto pontual

Como osso de Aquiles no carnaval

Traquinices de plebeia no reino do mal

Nada é nunca de fissura igual.



Onde estão as Fúrias que as não encontro?

Bola, bolinha sempre tão pequenina

Seus olhos como os da menina

Brincam de mentirinha

E choram de manhãzinha.


 
Onde estão as Fúrias que as não encontro?

Navegadores de mares ingovernáveis

Suspiro… as parcas são indomesticáveis

Gritos perdidos,  deuses afáveis

Mentira das mentiras, verdades inigualáveis.

Onde estão as Fúrias que as não encontro?

30 de junho de 2010

UNIDADE

(NOITE ESTRELADA SOBRE O RÓDANO - VINCENT VAN GOGH, 1888)


Pétalas… quente… sabor… pólo

Noite emergente na hora

Sorriso aberto de fora

Cais… vela… sal… lágrima

Firmeza em ti

Bússola, concreto

Rota, perto

Passos… caminho… lógica

Alma e Mente

Amor e Semente

Voo… asas… liberdade

Afirmação e vontade

Eis UNIDADE

26 de junho de 2010

Há...

(PORMENOR DA CRIAÇÃO DE ADÃO DE MIGUEL ÂNGELO - CAPELA SISTINA)


Há um Homem…

E as palavras quebram-se, silêncio de encontro

Há um Sonho…

E a vida balbucia frenéticas linhas de acerto

Há um Mundo…

Espraie-se o Homem e o Sonho numa sinfonia de acordes

Há uma Vida…

Um caminhar de demanda, encontros e desencontros triviais

Há uma Procura…

E o herói esconde o seu escudo, a liberdade é o seu guia

Há uma Utopia…

Bombear de alma e coração, razão das razões, luta de lógica e sentido

Há um Ser…

União celestial de dois, compleição perfeita de um todo

Há Um…

Dois, três e mil milhões de motivos para se não partir

Há um Poema…

Mas podiam ser tantos mais

Há uma Geometria…

Uma transposição em linha dos muros que se erguem

Há Amarras…

Que são nossas, cacos ao relento, vitórias banais

Há Sentido…

Do som que vem de ti e se perde em mim

Há…

Para além do desacerto as entrelinhas da nossa história

25 de junho de 2010

DESPEDIDA


(VAN GOGH - NOITE ESTRELADA)


Amarrados na imensidão do céu...

Unidos ao calor da fogueira,

Que arde viçosa e nobre,

Num chão de searas agrestes.

Meu corpo colado ao teu

Tem espinhos de pedra!

De repente, na tristeza de um olhar,

Na loucura doentia de um beijo...

De ti me separo, para nunca te encontrar!

E o sonho que juntos fingimos cantar?

Perdeu-se na mentira da verdade!

Grita! Grita do fundo do peito!

Ao sonho que em fumo se esvai,

Nas horas lentas e vazias...

Que a noite deixa partir...

MENINA



Ar cioso do meu campo,

Minhas papoilas, meu espanto…

Ai de mim! - Se um manto,

Me acolhe este pranto.



Mulher, eis a minha singela condição,

Será virtude, ou tão só, equação?

E minha lágrimas correm todo o verão,

Porque meus olhos do mundo são.



Ai…essas formas formosas.

Como as mimosas deleitosas,

Mimos procurados aos pouquinhos,

Encontros de ar em fraquinhos.



Menina… tão linda,

Pura, melodiosa, ninfa…

Mal sabe caminhar ainda,

Mas afirma e afinca.

21 de junho de 2010

SIGNIFICAÇÃO PARA A VIDA?


“Como é que o homem vai viver sem uma significação para a vida? Donde essa significação? Os sucedâneos dos deuses atropelam-se tumultuosos, mas duram menos que os deuses, duram menos que um homem. Imaginei um dia que o homem viria a aceitar a sua condição em plenitude. Só não imagino esse homem. Porque imaginando-o como me é possível, penso que admitirá uma transcendência inominável, uma dimensão que supere o imediato da vida. Só que o pensá-lo não me afecta o sentir. Tenho o enigma mas não a chave que o desvende. Sei a interrogação, mas não posso convertê-la na pergunta a que se dá uma resposta. Da integração do homem no mistério do universo o que me fica é a vertigem. Mas aguento-me aí sem me retirar do abismo nem cair nele. O curioso é que são os «racionalistas» quem menos se perturba com a sem-razão de tudo isto. Porque eles é que deviam saber, mais do que os outros, o porquê e o para quê. Não querem. O mundo existe-lhes assim mesmo, sem significação. Para mim me existe também. Mas isso aturde-me. A velhice que se anuncia, anuncia-me a aceitação e a serenidade. Mas não me anuncia a liquidação do problema. Respiro mais calmo diante do irritante mistério. Mas estar calmo não é anular o que me intriga, ou o seu terror: é só anular-lhe o efeito sobre nós. Os imbecis ou os inocentes é que os ignoram. A expressão final do homem de hoje é o heroísmo. Porque tudo tende a esmagá-lo de todo o lado. Mas ser herói é ser consciente. E aguentar, com um mínimo de pulsações por minuto. Referi-me um dia a um indivíduo condenado à guilhotina e a quem um amigo dizia: «fatiga o teu medo». Não fatiguei ainda a minha inquietação. Mas fatigá-la é só o que tenho para a anular.” - Vergílio Ferreira in Contra-Corrente 2, Editora Bertrand.


Sou uma mulher cheia de sorte e de fortuna. E sou-o não pelos bens materiais que possa ter, ou, por rasgos heróicos em dias de infortúnio. Não sou afeita a desenlaces romanescos. A sorte que me acompanha é toda ela feita de pequenos nadas, a fortuna que possuo, foi toda ela adquirida ao longo dos anos que a vida me tem proporcionado e das experiências adquiridas ao tactear este imenso mundo do qual sou apenas um pequeno grão de areia.

A minha sorte reside nas pessoas, no ser humano, no ser emotivo, no ser racional, na diferença de cada um nós, na unidade de todos, na companhia e na partilha e essa é, enfim, toda a minha imensa fortuna.

Há um antigo ditado chinês que diz qualquer coisa assim: todo o discípulo precisa de um mestre e todo o mestre precisa de um discípulo, nenhum precisa procurar o outro, quando tiverem de ser mestre e discípulo, eles encontrar-se-ão.

Sempre fui muito irrequieta, de “se”e “porquê” na ponta da língua, como se o mundo fosse não uma, mas inúmeras montanhas de hipóteses. Cedo descobri que sozinha, não chegaria a lado nenhum, precisava então de um Mestre.

Mas o Mestre tardava em chegar, aquele Mestre que me ajudaria a desenlear o nó dos pensamentos e das dúvidas que me assombravam o espírito. Desesperava pelo encontro com o meu Mestre. Só mais tarde descobri, com o mesmo assombro com que Arquimedes gritou “Eureka, Eureka”, que a vida nos proporciona não um, mas muitos Mestres.

E um dos meus Mestres foi, sem dúvida, Vergílio Ferreira. Quis o acaso que nos encontrássemos aos meus 17 anos, por imposição do programa escolar, que me forçava a ler a Aparição, corria o ano de 1996. Depressa me apaixonei pela escrita coerente, escorreita, assertiva e inquietante deste Homem, era enfim um caminho, onde eu encontrava tantas inquietações parecidas com as minhas, tantas perguntas e um pensar de mundo. Quis também o acaso que fosse nesse ano que o homem se quedasse por imposição do corpo que o adornou, mas não foi o acaso, que o fez ser imortal.

Vergílio Ferreira mostrou-me a liberdade honesta, sem necessidade de enfeites, de capas de herói, ou, de máscaras para o teatro da vida. Proporcionou-me discernimento entre o entorpecimento da mente e o espraiar do ser e, ensinou-me que a escolha é em última rácio, mais que a medida, o património de um Homem.

Também eu Mestre, ainda não fatiguei a minha inquietação.

19 de junho de 2010

RÉSTIA DE RAZÃO



De mil sentidos o meu ser,

De mil perdões este querer,

Não sinto mais que um fio,

Que um ignoto e um pio.



Talvez seja de Platão

Este indigno conhecer.

Esta réstia de razão,

Desperdício de colher.



Talvez… não no sei…

Que estradas percorrerem este caminho?

Que um dia de soslaio atravessei,

Que me trouxe a canela e o linho?

Não no sei… não no sei!



Frenética esta rota de cinco estrelas,

Este porto de bermudas perdido.

Das ninfas? Nem vê-las!

Quanto mais o amor esquecido!

16 de junho de 2010

TEMPO

(FRANCISCO DE GOYA - DISPARATE N.º 13)

O tempo, esse estranho que nos faz desejar sempre mais, mais um dia, mais uma hora, mais um minuto…

Quantos de nós não sentimos que não há o suficiente? Que não há vida bastante para tudo o que queremos e desejamos, que nos falta o… tempo?

Mesmo os mais livres de nós, sentem a sua escassez e no entanto ele aqui está, presente.

Das frases mais constantes da boca dos homens, sejam eles de que nacionalidade, etnia ou credo forem é: “preciso de tempo”. Eis um ponto, de entre tantos outros, de unidade da Humanidade.

Quanto mais intensamente nos sentimos vivos nos dias, menos sentimos o tempo passar, talvez seja porque não pensemos nele mas, por muito que se queira, o certo é que não nos conseguimos sentir intensamente a toda a hora, e quem culpar… ao tempo?

Pensemos então nas frases que dizemos, mesmo aquelas que são trocadas entre os nossos próprios muros, naqueles momentos de cosmopolita vivência e serão algo como: “Preciso de arranjar tempo para…”, “Será que ainda vou a tempo?”, “Quanto tempo falta para…”.

É curioso observar que nos preocupamos com algo, que deveria ser, em bom rigor, irrelevante. Não é o tempo que o homem conta nos seus relógios, ou, nos seus calendários que interessa, e porquê? Porque esse tempo não é nosso, é apenas método de contagem e de cálculo, e todos nós sabemos que em matéria de cálculo o que para uns é muito, para outros é pouco.

Divagando um pouco sobre o assunto pergunto: como seria medido o tempo dos antigos, aqueles que viviam (e sabiam viver) sem calendário e sem relógio?

O bom do Homem, é ele ter história e, não ter sido construído e criado hoje, mas antes pertencer a todos os tempos e a outros tempos.

O mau do Homem é precisamente o mesmo, tendo história e tendo pertencido a outros tempos, acha que tudo o que ficou para trás é irrelevante e procura, deixando as suas bases, criar tempos novos.

Ora, é precisamente neste ponto que creio estar parte da falta do tempo do Homem, na necessidade de criar mais, de ter mais, sem sequer saber para que quer o mais.

O Homem de hoje vive de pressas e a requerer tempo para ontem, quando no ontem não soube usar o seu tempo e quando no hoje não sabe para o que quer.

Por isso pergunto: será que queremos e precisamos de mais tempo? Ou será que, o que realmente nos falta é aprender a viver com tempo, lembrando que tempo é apenas tempo e não um bater dos ponteiros do relógio, ou, um dia num calendário?

Relembrando um ditado antigo e corriqueiro digo, podemos não ter tudo o que queremos, mas certamente, temos tudo o que precisamos, o resto são as escolhas que fazemos e nessas a culpa, certamente, não é do tempo.

TRADUÇÃO




Mito, inesperado encontro

Ombro, desapego do sonho

Céus, deuses e volúpia

Sorvo, o sabor quente da tua boca

Calor, teus olhos nos meus

Manhã, perdida no centro de mim

Bruma, aconchego de alma

Beijo, desejo de ti

Sol, astro e glória da vida

Palavras, tradução da mente

Amor, Amor é Amor sem sinónimos

Sem letras, sem palavras

Objecto ou sentido

Revelação silenciosa do Homem

19 de maio de 2010

ICTERÍCIA A ARTE DE AGRADAR

GOYA - CAPRICHOS 43

Aqui há uns dias atrás, no meio da azáfama dos meus pensamentos, como que em jeito de campainha ouço “tu não fazes nada para me agradar”, tal frase veio de um diálogo mantido entre um jovem casal que, a caminho do seu destino, discutiam o que deveria ser feito em ordem de se agradarem um ao outro.

Ora, deixado o casal na sua rota, fiquei a matutar na frase que me retirou da doce bruma dos meus pensamentos; agradar parece ser uma palavra muito em voga nos dias que correm, raro é o discurso onde ela não venha a fazer passerelle.

Não que eu seja contra o agradar, nada disso, sou até apologista de que devemos, mais que não seja por uma questão de mera cortesia e educação, atingir os outros de forma salutar e amena e, verdade seja dita que, pelo menos no que concerne às pessoas que nos são queridas todos temos essa vontade de agradar, mais que não seja para lhes vermos momentos de alegria, que acabam por ser nossos também.

Mas, o agradar saltitante da praça pública não é esse, é aquele agradar malabarista que faz do seu utilizador um ser moldável consoante o discurso do seu interlocutor.

É um agradar para ver o que calha em sorte, ou, um agradar para uma qualquer leviana e mundana conquista.

Até aqui tudo bem, cada um é como cada qual e faz o que entender da sua santa vidinha.

A questão que se me coloca é a seguinte com tanta artimanha para se agradar, onde é que estão de facto as pessoas?

É que tudo mais não parece que, uma disforme figura feita de manta de retalhos e sem conteúdo nenhum.

Um Homem para ser completo tem de o ser como é, ponto final. Se agrada muito bem, se não agrada, tudo bem na mesma, mas ao menos é-se por inteiro.

E tudo isto fez-me lembrar estas palavras de Saint-Exupéry:

“Aqueles que procuram agradar andam muito enganados. Para agradar, tornam-se maleáveis e dúcteis, apressam-se a corresponder a todos os desejos. E acabam por trair em todas as coisas, para serem como os desejam. Que hei-de eu fazer dessas alforrecas que não têm ossos nem forma? Vomito-os e restituo-os às suas nebulosas: vinde ver-me quando estiverdes construídos.

As próprias mulheres se cansam quando alguém, para lhes demonstrar amor, aceita fazer-se eco e espelho, porque ninguém tem necessidade da sua própria imagem. Mas eu tenho necessidade de ti. Estás construído como fortaleza e eu bem sinto o teu núcleo. Senta-te ali, porque tu existes.

A mulher desposa e torna-se serva daquele que é de um império.” - Antoine de Saint-Exupéry, in 'Cidadela' – Editorial Presença


Para seres, nunca o sejas pela metade, faz-te ao mundo com o que vieste, que ele paulatinamente te comporá o resto.

14 de maio de 2010

DESABAFOS NUMA FOLHA DE PAPEL

Há dias em que tenho a alma pesada, dias em que sinto que me imponho numa espera sem sentido e sofro, com um sofrimento de Ser sentido, sem saber o porquê dele, até porque à minha volta está tudo tranquilo. Hoje é um desses dias, é um dia em que não percorro o caminho, seja ele qual for.

É estúpido que o Homem se quede assim. É estúpido que eu me quede assim, quando me devia impulsionar e andar em frente. Mas ao invés, paro e sinto um vazio, um abismo que se resume num “para quê?”. Como se tudo se anulasse face a uma falta de sentido. Para quê andar em frente? Para quê escolher um caminho? Para quê isto, ou, para quê aquilo? Sempre poderei responder a estes para quês com respostas escolásticas, escolhidas a dedo, cheias de reverência e de eloquência, mas mesmo assim, e apesar de tão doutas palavras, esbarro no vazio.

Nisto, creio, somos todos iguais! Todos, iguais como no nascimento e na morte, sentimos o vazio, com palavras simples ou complicadas, eloquentes ou rudes, todos sentimos o vazio, que não tem explicação, sentido ou rota que se defina.
Talvez… seja demasiado exigente e de pouco contentamento com as coisas simples e inexplicáveis do Homem. Ou talvez, demasiado inquietante, fazendo sempre a mesma pergunta básica mas que quebranta os alicerces do ser, para quê?

Há perguntas que possuem mil respostas, mas que mesmo assim, não retiram a força da pergunta, e o pigmeu transforma-se em Adamastor…

Li um dia algures que, o Homem complica tudo o que é simples, pode ser… Ouço repetidamente que, face à vida há que aceita-la a contento, pode ser…

Mas, este meu espírito irrequieto não aceita nenhuma das justificações, por mais lógica que qualquer uma das premissas imprima. É que há o que é entendível pela razão e há o que é entendível pelo sentido. E como é difícil que tudo seja entendível por ambos, ao mesmo tempo!

Há dias como este, em que nem a simplicidade de uma folha branca, onde derramamos os nossos devaneios, é o suficiente para transpor toda a inconstância de nós.

Para uma mulher racional, como eu sou, é difícil compreender esta incompreensão, este sentido sem sentido, este vazio onde à minha volta tudo é cheio e composto, talvez (e aqui entro no campo da mera suposição) seja porque, esteja demasiado habituada à lógica das premissas e aos passos firmes e certos do raciocínio e me tenha esquecido que nem tudo é traduzível em métodos.

Sócrates disse: “Não sou nem ateniense, nem grego, mas sim um cidadão do mundo”; eu direi: Não sou nem mulher, nem razão, mas sim um mundo.

E é por ser um mundo que me perco nos devaneios do meu ser, é por ser um mundo que não possuo todas as respostas, é por ser um mundo que me quedo no vazio e é por ser um mundo que parto, como no romance de Júlio Verne, em busca do centro da terra, que é como quem diz, em busca do centro de mim, ou, em busca do para quê?

Por muito que eu assim o quisesse, neste mundo que sou, não há manual que possa seguir, ou, mapa que me guie, não o há para mim e não o há para ninguém. Há vazios que são vazios e há vazios que advêm de tumultos, de perdas, ou simplesmente, de exaustão.

Há pesos que carregamos por vontade, há-os por imposição e há-os porque simplesmente os há, e eu creio, que é por ser assim tão simples, que para mim é difícil de aceitar e é por isso que hoje se me pesa a alma e as pernas.

7 de maio de 2010

RUPTURA


A ruptura é sempre imprevista,

Com seus sais e sua mística.

Por mim foi algures perdida.

Por mim foi em tempo sofrida.



Jamais saberei porque o sou,

Pássaro vagueando ao luar,

Bolha na tuna do mar.

Ais do que me dou.



O sofrimento é sempre meu,

Mesmo que ao outro diga respeito.

Mas este ácaro de efeito,

Diz-me sempre quem perdeu.



Que seja a madrugada o meu levar,

O meu imaturo desejo de voar.

Eu quero ir ao fim do mundo,

Tacteá-lo e sentir o seu fundo.



Eu quero mergulhar no turbilhão,

Contar e recontar a razão.

Revirar e rodopiar, acordar

E… sentir-me respirar.

1 de maio de 2010

SEMPER TUA!





PARA O MEU GRANDE AMOR, MEU MESTRE E MEU AVÔ JOAQUIM VALÉRIO


A tua imagem sempre tão presente!

Deixa acalmar esta minha dor…

Eu em tudo consciente,

De mais não ser, sem teu amor.



Sempre que te sentires só,

Bombeia em meus sonhos,

Que não te deixo no pó,

Porque sou do que somos!



E lá no teu celestial descanso,

Passa esse teu olhar manso,

Pelos que de teus só são!

Aninha-me em tuas mãos…



Perpetuamente tua…

Pela imensidão do mundo,

Não haverá vagabundo,

Que me roube da lua,

Que me queime ou pua.

SEMPER TUA!

29 de abril de 2010

CERTOS DIAS

Foto: Jean-Sebastien Monzani

Gosto de em certos dias pegar num texto e ler com calma, com a paciência e a inocência de quem lê pela primeira vez na vida, como se só agora conseguisse juntar as letras que se transformam em palavras e que de palavras se tornam aprendizagem, caminho.

Nem sempre os dias me permitem isso, seja pelo corrupio diário das obrigações, seja porque as obrigações se aquietaram mas o espírito permanece ainda desenfreado das andanças.
Mas quando consigo ter na minha mente apenas eco da minha voz e o tempo não é mais tempo, aprecio deveras ler as letras que se transformam em palavras e as palavras que se transformam em frases de alguém que experimentou mais que eu, de alguém que caminhou caminhos diferentes dos meus.
Em regra procuro textos dos antigos, de filósofos romanos, ou gregos, porque aprecio o Homem e gosto de o conhecer, mas acima de tudo, porque até hoje para mim (e só para mim, que dos outros conhecem os outros) ninguém pensou e experimentou tanto o Homem, como os gregos e os romanos, estes últimos mais por assimilação do que por iniciativa. E porque, diz-me a minha lógica simplista, que nada em termos de conhecimento filosófico (pelo menos esse) mudou no tempo.

E hoje, que é um desses dias em que o espírito se mostra liberto e por isso absorvente, fui ao meu baú e encontrei este texto de Séneca que deixo, para quem ainda consegue ler letras que se transformam em palavras, palavras que se transformam em frases, frases que se transformam em texto, e quem sabe talvez… texto que se transforme em aprendizagem mas, o caminho de cada Homem é feito, a final e apenas, pelos seus próprios passos.

“Sempre que te aconteça alguma coisa contrária à tua expectativa diz a ti mesmo que os deuses tomaram uma decisão superior! Com semelhante disposição de espírito, nada terás a temer. Esta disposição de espírito consegue-se pensando na instabilidade da vida humana antes de a experimentarmos em nós, olhando para os filhos, a mulher, os bens como algo que não possuiremos para sempre, e evitando imaginarmo-nos mais infelizes um dia que deixemos de os possuir. Será a ruína do espírito andarmos ansiosos pelo futuro, desgraçados antes da desgraça, sempre na angústia de não saber se tudo o que nos dá satisfação nos acompanhará até ao último dia; assim, nunca conseguiremos repouso e, na expectativa do que há-de vir, deixaremos de aproveitar o presente. Situam-se, de facto, ao mesmo nível a dor por algo perdido e o receio de o perder. Isto não quer dizer que te esteja incitando à apatia! Pelo contrário, procura evitar as situações perigosas; procura prever tudo quanto seja previsível; procura conjecturar tudo o que pode ser-te nocivo muito antes de que te suceda, para assim o evitares. Para tanto, ser-te-á da maior utilidade a autoconfiança, a firmeza de ânimo apta a tudo enfrentar. Quem tem ânimo para suportar a fortuna é capaz de precaver-se contra ela; mas nada de angústias quando tudo estiver tranquilo!

O cúmulo da desgraça e da estupidez está no medo antecipado: que loucura é esta, ser infeliz antecipadamente? Em suma, para numa palavra te resumir o que eu penso e te descrever como são estes homens que, à força de se preocuparem, só conseguem fazer mal a si próprios: tanta falta de moderação eles mostram em plena desgraça como antes dela! Quem sofre antes de tempo sofre mais do que o devido; uma mesma incapacidade leva-o a não prever a presença da dor onde não a espera; uma mesma imoderação fá-lo imaginar permanente a sua felicidade, imaginar que os bens que o acaso lhe deu não só hão-de perdurar como também de multiplicar-se; esquecido do trampolim que é a vida humana, convence-se de que no seu caso, por excepção, o acaso deixará de se fazer sentir.”

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'





14 de abril de 2010

DISSE


Disse que nasciam asas nos Homens
Disse que o Céu era o início
Disse que a verdade não era escrita
Disse que os sonhos são realidade
E a ilusão a mentira do cobarde
Disse que os gestos nunca se perdem
Que são diamantes enaltecidos de ternura
Disse que a luz é presença
E a presença uma certeza
Disse que tudo é possível
Que a crença o compensa
Nos dias cinzentos e vagabundos
Disse que a lua é bola
Com que se brinca no jardim
Disse e disse e voltou a dizer
Até perder o eco das palavras que disse...

7 de março de 2010

Devolve


(A Maja Vestida - Francisco de Goya )

Pinta a Lua na tua mão,
Com dulcíssimo amor.
Pinta de cor a oração,
Desfarda toda a dor.

Não fujas pelo postigo.
Embriaga todo e qualquer amigo.
De soslaio, com aroma a mar,
Vem sem fio, sem escora… voar!

Não aufiras mais angustias.
Não acentues mais tristezas.
Pára! Ouve as partituras
Vagas das redondezas.

E se por fim borbulhento te soou,
O relógio servo e coloquial,
Não pares no que restou,
Renova e devolve-te vestal!

31 de janeiro de 2010

MANHÃ


Manhã submersa na bruma…
Ofuscante de oiro azul.
Afirmante promessa de um Adeus sem fim!
Aqui te vejo na Escuridão da luz,
Aqui te ouço no Olimpo da voz.
Onde te revelas? Onde te abres?
E a procura desperta um sol de Inverno.
Há quanto tempo procuro…
Ultrapassar as barreiras de Ferro?

Manhã submersa, escondida nos dias…
Revela-me o outro lado da Face.
Mostra-me a insensatez do momento,
Mostra-te nua, mostra-te fiel!

Manhã submersa na bruma, quem és?
Pauta de sons ocos, deprimentes,
Melodia de desespero no Fado da morte…

Manhã submersa em rios de negra cor…
Cavalos brancos amarrados ao céu.

Manhã submersa na bruma onde te vi?
Onde procurei em ti o dourado sonho?
Páginas de desventura que um dia escrevi,
Manto pobre em que me cobri…
E a manhã assim permanece,
Oculta em si, dona do mundo!
Passageira do Homem…

Manhã submersa na bruma…
Ofuscante de oiro azul.