2 de julho de 2014

OMNIBUS ET SINGULIS

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)


Um homem nu apresenta-se perante um grupo de homens e pergunta: “O que ser?” O caçador responde-lhe: “caçador, garantirás alimento e a tua continuidade”. O filósofo responde-lhe: “filósofo pois que assim nunca te faltarão ideias e terás com que alimentar a alma, garantirás a tua continuidade e a de todos os homens.” – O poeta eleva-se e reponde-lhe: “Poeta, deverás ser poeta, porque não só garantes a tua continuidade e a dos homens como atinges os céus!”. O construtor responde-lhe: “construtor, pois que assim garantes abrigo para ti e força de trabalho para a humanidade.” Por último responde um homem já velho e gasto: “Sê tu mesmo, porque quando te faltar a caça, as ideias, os céus e os abrigos saberás que tal como chegaste até nós, morrerás nu, sem a posse das coisas e da humanidade, mas com o caminho de um homem feito.”


26 de junho de 2014

RUBO

(IMAGEM RETIRADA DAQUI)

Amoras silvestres… sonhos em frasquinhos amarelos,
Como o do perfume da tia Albertina.
Amoras silvestres… Cotovia de encontro aos farelos,
E o padre aninhado na batina.

As amoras são formosura quando de selvagens se tratam,
Mas logo são queimadura quando da liberdade as retratam.

Amoras silvestres… e a roupa pede brancura,
Quando ao sol a velha franzina a põe.
Amoras silvestres… mar alto de bravura,
Maresia de vontades que à verdade se opõe.

As amoras ao sol dos dias lembram doçura,
Mal se lhes cai a noite e suspiram amargura.

Amoras silvestre… que conto contado num encontro
Nunca entra em contraponto?
Amoras silvestres… figuras de tonto!
Quem quiser que lhe acrescente mais um ponto!

18 de abril de 2014

GABO


(IMAGEM RETIRADA AQUI)



"No entanto, antes de chegar ao verso final, já tinha previsto que não sairia nunca desse quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no momento em que Aureliano Bobilonia acabasse de decifrar os pergaminhos, e que tudo o que neles estava escrito era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a Terra." - Gabriel Garcia Marquez in ' Cem Anos de Solidão'.


Um génio forja-se em ser fiel na sua própria história, a sua visão é a do homem e a sua pedra de toque a comum vida, comporta nele as suas gentes e traduz em obra a centelha viva do inconformismo que resiste teimosamente à forma. Os grandes são imortais porque vêem para além das palas das ditatoriais regras descabidas das massas. Bem haja Gabriel, até sempre!

17 de abril de 2014

ERGÁSTULO


(IMAGEM FOTOGRAFADA PELA GESTORA DO BLOG - ALHAMBRA, GRANADA)


Meias foram as palavras, embaio de linhas
Clarabóia de ventos na desabrida manhã
Sempre avesso ao desavesso do sentido

Vagaroso no seu inalar de certezas
Confrontação de camara lenta, nitidez
Mais um velar de embate, raios de fado

Riso, condor da sua mordacidade
Indiferente às marcas sem água
O recomeço de um fim augurado

Austero firmou no meio do caos
O senhor dos senhores morreu
Desabitado no seu castelo de silêncio

ENTREACTOS


(IMAGEM FOTOGRAFADA PELA GESTORA DO BLOG - ALHAMBRA, GRANADA)





Entreactos

De manhã na volúpia de mim
De noite nos rasgos de razão
Um cambalear de ideias
Uma metamorfose de vias

Entreactos

De esquálidas ressonâncias de um qualquer sentir
De rutilantes entrelinhas na pousada da vida

Entreactos

De tarde no ressoar da voz
De madrugada no entretecer do corpo
Um adeus vendido no amanhã
Uma eira nos contornos do ser

Entreactos

De um crepúsculo de verve errante
De um titubeante desacerto agnóstico

Entreactos

Balbuciante arroste de coágulos geométricos e sós

14 de janeiro de 2014

UTOPIA

"DESESPERO" - QUERUBIM LAPA, 1950.


Utopia ardente, sonho em mim...
Quem dera outrora desconhecer,
Este começo de fim!
Sonhos que um dia fingi conter.

E do tempo? Que doce ilusão...
Desvelada sombra de ternura,
Que agora esta larva leva para a tortura!

Do imaginário sonhador tentei viver,
Para nascer este incenso que vi morrer.

Que quebra, que rotor…
E de mim me fiz perder...

Perder o Norte, o Sul.
E o Condor?
Alto imponente senhor da dor…
Imploro! Não me deixem morrer!

4 de janeiro de 2014

DESMANDO

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOG)


Só um grande amor consegue ter em folha a sua linha de papel
Só uma grande vontade consegue fazer das garras rosas
Fugazes pétalas de um ser que se acende
Dentro fora, fora dentro, monocórdico tempo de um alguém
Dizem que há viagens sem regressos
Como naus de destino sem fim
Daquelas que se esvaecem adentro
Em febril e singular tormenta
Só um grande desejo acende esse homem
Talvez por não saber que a bola que lhe saltita nas mãos é tão-somente o mundo
Mas porque se reconhece nos passos vazios e ocos da lira dos sentidos
Só uma grande luz se apaga na escuridão cevada da voz
Não por se quedar, antes, por ganhar asas e voar

INTER MUNDOS

(IMAGEM FOTOGRAFADA E TRABALHADA PELA GESTORA DO BLOG)


Faz tudo como se eu te contemplasse!
Como se a água fosse o vinho,
Com que embalas a alma.

Faz tudo como se eu te contemplasse!
Como se o horizonte fosse cor,
Bocejo e passarola de voar.

Faz tudo como se eu te contemplasse!
Como se os sonhos que eram meus,
Se prendem-se ao desejos teus.

Faz tudo como se eu te contemplasse!
Como se um ósculo fosse sinfonia,
Dispersa em púcaros de melodia.