21 de maio de 2013

ANTE TI

(Rembrandt - Auto-retrato)



Ante ti escrevo com as mãos gastas de uma labuta

Ardilosa e decrépita de significados.

Gasto o tempo e a vontade, restam-me linhas…

Dessas que se apelidam de tortas, mas que se endireitam

A remate nos passos de um homem.



Poderia ter ganas de poeta, remar contra marés,

Mares ou sonhos nunca antes navegados!

Arregalar-me no tempero de um acepipe

E gritar a plenos pulmões, oh infortúnio que me quedaste!



Mas são linhas e nessas só o pincel de retratista tem o seu engenho.

Diria que sim, que tens razão quando rezas as mezinhas

E te enfeitas de pertences para justificação do auguro,

Mas temo ser por demais certo o engodo dos deuses.



Na chama da vida não sobra espaço para desenganos,

Não há vespertinos enlaces nem noivos de papel.

Há sentido, de irmão caminho do teu ser.

E se é embarrilo do mistério?



Sossega, que ante ti escrevo, gasto mas vivo ainda,

Linhas de uma memória que se esvai morna.

Não é volúpia ou narcisismo de espelho é saudade!

Essa que só neste canto de mar ainda é real.



3 de maio de 2013

NARCISOS


(METAMORFOSE DE NARCISO - SALVADOR DALÍ)


Gladiavam às cegas o valor da visão, não aquela que advém dos olhos mas aquela outra que tolda o rumo de um Homem. Esgrimiam palavra a palavra na volúpia da retórica, troca falaz de egos. A inteligência da argumentação, a soma impar das premissas e o brilharete da conclusão, tudo cabia na chama imperiosa do princípio.

Discutiam como mestres de uma arte entranhada à força do raciocínio, mas findo o teatro da corte saiam vazios, despojados e inertes do sentido, quer das palavras quer da visão.

Questionavam sozinhos nos seus leitos de existências como teriam os sentidos escondido da razão o porquê das coisas. Era manifesto que em teoria o homem era perfeito, que em teoria a razão podia e devia comandar, mas era nos sentidos que ele, Homem, nascia, experimentava e se elevava. Como? Se era a razão o solo fértil e seguro? A lógica aliada à dedução dessentida dos factos era sem suprema dúvida o único caminho da verdade, mas olhavam as conclusões com os seus olhos de gente e elas eram frias estéreis e inverosímeis.

Voltavam ao debate, afastados ficariam esses fios de vivência… na polidez da perfeição não existe espaço para falhas, não existe espaço para porquês, o fulcral era encontrar a certeza com que se poderiam e deviam brindar os princípios dos novos homens.

Cegos de escolástica discutiam a visão sem nunca medirem ao Homem o seu pulso. Na perfeição do princípio morreram por desconhecerem a sua própria natureza.