21 de julho de 2010

VER

(O HOMEM DE VITRÚVIO - LEORNADO DA VINCI)


"Aprender a ver - habituar os olhos à calma, à paciência, ao deixar-que-as-coisas-se-aproximem-de-nós; aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados. Este é o primeiro ensino preliminar para o espírito: não reagir imediatamente a um estímulo, mas sim controlar os instintos que põem obstáculos, que isolam. Aprender a ver, tal como eu o entendo, é já quase o que o modo afilosófico de falar denomina vontade forte: o essencial nisto é, precisamente, o poder não «querer», o poder diferir a decisão. Toda a não-espiritualidade, toda a vulgaridade descansa na incapacidade de opor resistência a um estímulo — tem que se reagir, seguem-se todos os impulsos. Em muitos casos esse ter que é já doença, decadência, sintoma de esgotamento, — quase tudo o que a rudeza afilosófica designa com o nome de «vício» é apenas essa incapacidade fisiológica de não reagir. — Uma aplicação prática do ter-aprendido-a-ver: enquanto discente em geral, chegar-se-á a ser lento, desconfiado, teimoso. Ao estranho, ao novo de qualquer espécie deixar-se-o-á aproximar-se com uma tranquilidade hostil, — afasta-se dele a mão. O ter abertas todas as portas, o servil abrir a boca perante todo o facto pequeno, o estar sempre disposto a meter-se, a lançar-se de um salto para dentro de outros homens e outras coisas, em suma, a famosa «objectividade» moderna é mau gosto, é algo não-aristocrático par excellence." - Crepúsculo dos Ídolos de  Friedrich Nietzsche.



Escutar e ver não é tão fácil como aparenta ser.

Tudo bem, olhos e ouvidos tomos possuímos, é um dado, em regra, adquirido à nascença.

A questão que coloco é: será que todos nós vemos e ouvimos correctamente? Dito de outra forma, passado o impulso inicial e ante um determinado acontecimento, realmente vimos e ouvimos, ou, limitamo-nos como caixa formatada a reagir?

Por experiência própria, sei bem que nem sempre ouço e vejo, retiro, muitas das vezes, conclusões baseadas em puras reacções mecânicas, que mais não são do que mecanismos internos de defesa.

Outras vezes, a reacção mecânica, nada tem a ver com a defesa, antes com presunções e ideias pré feitas.

O que nos diz Nietzsche, no texto supra transcrito, é que, ao que vemos, podemos à senda da nossa vontade, não reagir, de acordo, não com o que vemos, mas com o impulso que nos provoca o que vemos.

A tendência, direi quase que natural, é a da critica, há como que um estender exagerado de considerações sobre o que vemos, e isso denota-se, particularmente, quando o que vemos nem sequer tem suma importância, ou, quando o que vemos é algo novo e desconhecido.

E se nós, com a nossa vontade, retirássemos o impulso inicial crítico e deixássemos as ideias pré-concebidas fora da visão, o que é que nós, realmente, víamos?

Toda a arte pressupõe duas coisas: inspiração e vontade, mas dessas duas coisas nada se materializaria sem um contínuo labor.

O dia-a-dia de um Homem, não é muito diferente da arte, quando ele toma para si, a feitura da sua obra.

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