16 de junho de 2009

OS SONHOS E OS NÚMEROS

«As pessoas grandes gostam de números. Quando vocês lhes falam de um amigo novo, as suas perguntas nunca vão ao essencial. Nunca vos perguntam: “ Como é a voz dele? De que brincadeiras é que ele gosta mais? Ele faz colecção de borboletas?” Mas: “Que idade é que ele tem? Quantos irmãos tem? Quanto é que ele pesa? Quanto ganha o pai dele?” Só assim é que pensam conhece-lo. Se vocês disserem às pessoas grandes: “Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado…”, as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: “Hoje vi uma casa que custa vinte mil contos.” Então, já são capazes de exclamar: “Mas que linda casa!”

Assim, se lhes disserem: “A prova de que o principezinho existiu é que ele era encantador, é que ele se ria e queria uma ovelha. Querer uma ovelha é a prova de que existe”, as pessoas grandes encolhem os ombros e chamam-vos crianças! Mas se lhes disserem: “O planeta donde ele vinha era o asteróide B 612”, as pessoas grandes ficam logo convencidas e não se põem a fazer mais perguntas. As pessoas grandes são assim. Não vale a pena zangarmo-nos com elas. As crianças têm de ser muito indulgentes para as pessoas grandes.

Mas nós, nós que entendemos a vida, claro que nos estamos bem nas tintas para os números! Eu gostava era de ter começado esta história como um conto de fadas. Assim:

“Era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele e precisava de um amigo…” Para quem entende a vida, era de certeza um começo bem mais verosímil.»

Antoine de Saint-Exupéry in “O Principezinho” – Editora Caravela – 11.ª Edição


Há dias em que, por força da memória, ou, das reminiscências da infância, recordamos os nossos sonhos de crianças e muitas vezes olhamos para trás e renasce em nós a vontade de recuar no tempo, até aquele local em que acreditávamos que tudo era possível.

O que mudou? O que é que nos fez desiludir tanto, ao ponto de nos tornarmos cegos e descrentes?

Será que o crescimento nos retirou a capacidade de sonhar? Ou, passámos a ver os sonhos pelo prisma dos números, da estatística, do ganho, do dispêndio e da probabilidade?

Nos dias que correm é quase ridículo falar-se em algo, explicar-se algo ou até mesmo sentir-se algo, sem que esse algo tenha um número, uma qualidade quantitativa em suma, uma mais-valia.

Em crianças dizia-mos simplesmente: “porque sim”, “porque quero”, “porque tenho vontade”, “porque sonho”, “porque quero ver”, “porque quero ser”; em adultos dizemos: “será que devo?”, “haverá necessidade?”, “será útil?”, “valerá a pena?”

Se o crescimento é isto, então estamos todos a ver as coisas pelo prisma errado porque, se em crianças afirmamos e sabemos o que queremos, adicionando novos valores a cada nova experiência, em adultos questionamos, quedamo-nos ante as “n” possibilidades existentes e não escolhemos nenhuma, logo não há lucro.

A verdade é que, desde pequenos levamos com uma lavagem cerebral sobre o que tem valor e o que não tem, sobre o que podemos e não podemos fazer. Contudo, enquanto aprendemos a andar, enquanto tentamos desbravar o desconhecido, a lavagem não faz muitos danos, porque entra ao mesmo tempo para o nosso cérebro uma boa quantidade de informação nova oriunda das nossas experiências e aventuras. O problema surge, essencialmente, quando deixamos de descobrir, de experimentar e começamos a assentar, aí começa a lavagem do “não podes”, “não deves”, “não sonhes”, “não imagines”, “não vale a pena”, “não è para ti”, “não consegues”, “não é real” e por aí adiante e, como diz o ditado: água mole em pedra dura tanto bate até que fura, neste caso tantos são os “nãos” que ouvimos por todo o lado, que nos dizem por todo lado que como papagaios passamos a acreditar em “não” e assim cimentamos a nossa descrença, quer nos sonhos, quer na vida, quer em nós mesmos.

E depois… os números, eles passam a ser a única coisa em que acreditamos, porque, são visíveis aos nossos olhos e possuem a capacidade de que com eles se poderem fazer inúmeras operações matemáticas. Cimentamos crenças em supostas realidades e desacreditamos tudo quanto não podemos somar, subtrair ou dividir ou multiplicar.

Já repararam que o nosso nascimento, só o é dado como adquirido, quando nos colocam a data de nascimento (portanto uns números) e a nossa morte só se torna real quando nos colocam mais um número, mais que não seja o da campa onde nos colocam. Entretanto sobre o fulano X e a vida do fulano X pouco ou nada há a dizer.

É isto mesmo que queremos ser, números? Ou como Saint-Exupéry tão bem descreve no seu Principezinho «Mas nós, nós que entendemos a vida, claro que nos estamos bem nas tintas para os números! Eu gostava era de ter começado esta história como um conto de fadas. Assim:
“Era uma vez um principezinho que vivia num planeta pouco maior do que ele e precisava de um amigo…” Para quem entende a vida, era de certeza um começo bem mais verosímil.»

Em suma: queremos ser números ou queremos ser vida? Há só uma forma de olhar para trás e sentirmos e sabermos que tudo foi possível e que os nossos sonhos não passaram de meros números, todos sabemos qual é essa forma... sim todos sabemos qual é!
O livre arbítrio é nosso, bem como, a vida e a realidade porque, sem nós ela não existe!

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