9 de abril de 2009

OS DIAS E O CANSAÇO


Os dias produzem no Homem um apuramento, fruto de uma longa fermentação, moldando paulatinamente a espinha dorsal de cada um.

Contudo, na inconstância dos tempos, esse natural apuramento, é produzido em série, sem intervalos e movido a jacto, resumindo, tem o mesmo efeito que a maçã geneticamente modificada, que é reproduzível rapidamente, em maior quantidade, mais apelativa aos olhos, menos exposta aos agentes externos, mas sem sabor, ou pelo menos, sem o sabor de uma maçã maturada segundo os ritmos próprios da natureza.

Desta forma, acelerando-se os tempos, perdem-se as peculiares maturações do Homem e em seu lugar resvala, lado a lado com os dias, o cansaço.

Nunca em outros tempos, como hoje, se ouve tanto esta palavra, CANSAÇO.Mas cansaço de quê? Quem é que em pleno uso da vida se pode dizer de si cansado?

Acho que esse cansaço mais não é que um largar de tertúlias no circo de feras para adocicar a boca ao povo e calar a voz que se encontra no cerne de cada um de nós.

Contudo, há deveras cansaço nos dias quando, como a maçã geneticamente modificada, nos produzimos em série, nos moldamos em moldes exteriores e estranhos a nós, olvidando por completo o nosso próprio ritmo.

Esse terror que se sente, como que portadores de uma qualquer doença contagiosa, de se não ser igual aos demais, é de veras ridículo e inútil.

Ridículo porque, é na diferença que nos unimos e existimos.

Inútil, porque produz em série um sempre igual, sem existência de traços pelos quais nos podemos apaixonar e descobrir singularidades novas.

Daí o cansaço como consequência da descoberta do mesmo de ontem, como prelúdio da monotonia dos dias em que nada há de novo para desvendar.

Em suma: há muito que foi aberta a caixa de Pandora, resta decidir UM de entre dois caminhos possíveis:

Seguir a maré, deixando a porta aberta para a instalação do cansaço, com a "certeza" do confortável igual, o manobrismo dos subterfúgios em busca de um lugar ao sol e no parqueamento em frente a casa,

Ou,

Rumar contra a maré, sem mais certezas que a do conhecimento concreto e sólido da nossa própria espinha dorsal, num trabalho constante de evolução e sem direitos possessórios.

É nesses dias, em que ouço e vejo os queixumes de quem se quedou ao cansaço que me lembro deste poema de Pablo Neruda:

SE CADA DIA CAI

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

E aí, ciente de que nada é igual, ciente da singular e sempre apreciável descoberta da diferença, adormeço descansada, crente em mais um dia de magia sentada à beira do poço em busca da luz caída, mas existente.

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